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A Imaginação Interrompida pela Realidade

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Caminho sob o sol quente, que me trespassa a pele. Penso que nunca mais chego ao meu destino. Tudo é tão triste e tão cansativo que eu sei que já desisti de ser alguma coisa. Apenas pretendo sobreviver o mais confortavelmente que conseguir. Já não tenho vontade de acelerar o passo, seja para o que for. Nada é assim tão importante que me faça correr - por isso, caminho ao meu ritmo, com a certeza de que vou chegar a horas. Se não chegar qual é o problema? E, de repente, oiço aquela melodia. Aqueles acordes inconfundíveis... Daquela canção. Abrando o passo e tento concentrar-me para ouvir ainda melhor. Sim, é aquela canção. Tenho a tentação de parar e neste mesmo sítio ficar a ouvir aquela canção. Como eu gosto de saborear aqueles acordes que me fazem recordar de como era bom ser feliz. Finalmente, percebo que a música vem de um café. Aproximo-me e finjo que estou a ler as sugestões no quadro exposto cá fora. Apenas quero ficar ali a ouvir aquela voz. Quando a música termina, volto ...

O Lúcido Tresloucado

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- Às vezes gostava de ter a habilidade de falar sem palavras, sabes? De dizer tudo aquilo que sinto, assim, livremente e sem ter medo de nada e de ninguém. - Medo? Medo de quê? Medo de quem? Com ar de quem tenta dizer algo com sentido, ele confessa. - Medo deles. Deles e de toda a gente que me rodeia. Às vezes sinto-me a sufocar. Sinto que não cresci o suficiente para lidar com a vida. Estou cansado de lidar com a vida. Cansado de lutar por viver... Sabes o que isso é? Franzo o sobrolho. Não faço ideia do que seja isso. - Não entendo. Ela suspira. - Não sou homem suficiente para ser ultrapassado e não me importar com isso. - Se és ultrapassado tens de fazer alguma coisa para não o seres. - Eu faço de tudo para não o ser. Mas os outros não se importam. Esses tais de que tenho medo. Eles não se importam. Acham que eu sou um lixo. Nada do que faço interessa. Nada do que faço é bom o suficiente para eles. Sou sempre posto de lado, como um caroço de uma maçã que já não pr...

Porto de Abrigo

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Andamos constantemente à procura daquilo que não temos. Se não nos entusiasmamos, buscamos incessantemente algo que nos devolva esse entusiasmo. Se nos sentimos sozinhos, procuramos algo ou alguém que torne essa solidão suportável. Se nos sentimos mal, tentamos encontrar qualquer pretexto para que nos sintamos bem. Se estamos descontentes com o que temos, corremos atrás daquilo que pensamos que nos falta. Simplesmente, não conseguimos parar. É quase como um ciclo vicioso em que nos habituamos a um ritmo alucinante da procura. Muitas vezes, apenas temos essa ilusão de que nos falta algo, por aquilo que nos impõem, pelas realidades distorcidas que outros impregnam em nós, pelas exigências estúpidas que nos fazem e que, depois, fazemos a nós próprios. Sempre com aquela ideia de que temos de ter ser, de ter, de viver... Ser. Ter. Viver. Porque não podemos, apenas, parar perante aquilo que temos e apreciá-lo? Apreciar os bons momentos que vivemos, as pessoas que nos fazem felizes, a criação...

Em torno do Gira-Discos

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Retira-se o saco cheio de pó. Ele está bem acomodado, não haja dúvida. Olhamos para a marca e todos concordamos que é muito boa, por isso, a nossa esperança é renovada. Assim que colocamos o antigo gira-discos em cima da mesa, parece que estamos perante um tesouro. Falta saber se este tesouro está, de facto, funcional. Tínhamos de experimentar. Não podíamos desistir agora... Mesmo que a desilusão deste pequeno tesouro não funcionar fosse maior que a nossa vontade. Pega-se num disco e com precisão e mãos de lã, este já está pronto a tocar. É certo que já passaram muitos anos desde que se voltou a ouvir este gira-discos por aqui, mas nunca se esquece como é que se o põe a tocar. Pega-se no braço, leva-mo-lo até ao lado esquerdo, faz um clique, e depois é só acertar a agulha na faixa. A expectativa é grande. Será que vai funcionar? Todos se reúnem em volta da mesa, em silêncio, com medo de que um simples som nos pudesse distrair da nossa missão.  Assim que se ouvem os primeiros acorde...

Estarei Sempre à Tua Espera

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Estarei à tua espera. Sempre. Sabias? Estarei sempre à tua espera na ombreira da porta, a ver-te chegar, cansado mas feliz por retornares a casa. Terei a minha cabeça encostada à madeira clara que adorna a nossa porta, a entrada da nossa casa. Irei sorrir ao ver-te chegar perto de mim. Há algo de único cada vez que te vejo assim, com esse leve sorriso de boas-vindas, de tranquilidade... De harmonia. Estarei sempre à tua espera sentada, junto à praia de que tanto gostamos. Olharei para o mar de onde surges. O teu cabelo molhado realça o azul dos teus olhos. Estás distraído, espero que seja por estares confuso, por não me estares a ver... Quando estás sem saber o que fazer, franzes o sobrolho e coças o nariz. Estás a fazer isso, neste preciso momento. Estarei sempre à espera de que me pegues a mão... Que me toques com os teus dedos. Que me faças arrepiar a pele com esse simples toque. Dar-te-ei a mão e deixarei que me leves para o meio da sala para que possamos dançar os...

Conto I

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- Lembras-te de quando aqui chegámos? Interrompo o nosso silêncio. Sentados num pequeno muro, à volta daquele campo de terra batida que tanto lhe diz. Tenho o meu queixo encostado ao seu ombro, o cheiro dele continua a ser aquilo que mais me acalma. Fecho os olhos e suspiro, roçando a minha face na sua antes de levar a minha cabeça ao seu ombro. - Parecia tudo tão estranho... Estranho por não me sentir assim há tanto tempo.  Ele maneia a cabeça e solta um pequeno sorriso à luz do sol que irradia sobre nós, deixando o castanho daquela terra, que ainda de manhã era lama, ainda mais brilhante. É assim aquela terra. Inconstante, mas, ao mesmo tempo, tão natural. Talvez seja isso que o torne apaixonado por aqueles tons quentes de final de dia ou da chuva que cai apesar do calor que se impregna na nossa pele. Levo a minha mão ao seu braço desnudo e sinto a sua pele macia com os meus dedos. - A liberdade é meia estranha, não é? Ele coloca a sua mão so...

O Cansaço de Estar Cansada

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O próprio cansaço é extenuante. Sei que é uma repetição, uma redundância, mas não será isso, também, o que é o cansaço? Aquela sensação do peso constante do mesmo? O peso constante da repetição da rotina. Não será o cansaço o mesmo que a redundância. Ele próprio é redundante. É algo que anda à volta de si mesmo. Não sai dali. É por isso que o cansaço cansa. Sim, o próprio cansaço cansa. Estou cansada deste cansaço. O cansaço é aborrecido e incómodo. E não desaparece. Parece que está sempre, ali, bem escondido na nossa mente, no nosso corpo. Ele está bem instalado em todo o meu ser. Tão bem instalado que não me consigo ver livre dele.  Pior. Não me consigo ver livre e pior, parece que ele cresce. Às vezes penso e sinto que já não há mais espaço para o cansaço. Ele já ocupa tudo em mim, mas, surpreendentemente ele consegue encontrar ainda mais um espaço para aí se instalar, como se fosse dono e senhor de mim. É exactamente isso que é o cansaço para mim: ele é o meu dono e o meu senho...