Porto de Abrigo
Andamos constantemente à procura daquilo que não temos. Se não nos entusiasmamos, buscamos incessantemente algo que nos devolva esse entusiasmo. Se nos sentimos sozinhos, procuramos algo ou alguém que torne essa solidão suportável. Se nos sentimos mal, tentamos encontrar qualquer pretexto para que nos sintamos bem. Se estamos descontentes com o que temos, corremos atrás daquilo que pensamos que nos falta.
Simplesmente, não conseguimos parar. É quase como um ciclo vicioso em que nos habituamos a um ritmo alucinante da procura. Muitas vezes, apenas temos essa ilusão de que nos falta algo, por aquilo que nos impõem, pelas realidades distorcidas que outros impregnam em nós, pelas exigências estúpidas que nos fazem e que, depois, fazemos a nós próprios. Sempre com aquela ideia de que temos de ter ser, de ter, de viver...
Ser.
Ter.
Viver.
Porque não podemos, apenas, parar perante aquilo que temos e apreciá-lo? Apreciar os bons momentos que vivemos, as pessoas que nos fazem felizes, a criação de uma nova memória. São esses pequenos sinais que nos mostram que estamos vivos. É essa noção de que realmente temos pessoas que nos amam e que nos recebem sempre de braços abertos que faz com que valha a pena viver. Principalemente, quando sabemos que temos e somos tão pouco.
Quando finalmente aprendemos a apreciar todas essas vivências e todas essas pessoas, percebemos que a busca incessamente em que vivemos é inútil. Não é por não conseguirmos aquilo que pensamos que nos possa preencher que devemos achar que o mundo acabou. Não. Muito pelo contrário. Se temos a benção de sentirmos que somos amados, seja por quem for, isso é suficiente. É mais do que suficiente, até porque é um grande privilégio. Há sempre algo de novo para viver que nos mostra que andamos por cá por alguma razão.
Por vezes, algumas dessas pessoas que nos fazem acreditar na vida estão longe. Mas, conseguimo-nos reencontrar. E, depois de estarmos juntos, as despedidas não são boas, porque, afinal, queremos estar sempre no nosso porto seguro... Um porto seguro que se traduz nessas mesmas pessoas. Tal e qual como quando os passarinhos pequeninos estão no ninho. Eles querem estar ali protegidos. Queremos estar ali, nos braços de quem nos ama, porque só assim tudo faz sentido. Porém, há sempre a necessidade de regressar para o mundo mundano, porque as coisas são assim mesmo. Há responsabilidades, há outros motivos que nos fazem regressar a uma vida em que não nos sentimos protegidos. É certo que temos sempre a certeza de que poderíamos ter aproveitado melhor o tempo, podíamos ter feito isto ou aquilo, ir ali ou acolá... Mas isso é apenas o nosso cérebro que se habituou a essa pressa do tempo e a essa ansiedade que o mata... Como se fosse um vício.
O segredo está em aproveitar cada momento que temos nesse "ninho", por mais simples, calmo ou agitado que seja. O que importa não é o que poderíamos estar a fazer, é aquilo que estamos a fazer juntos. O que importa não é o que podíamos ter feito. É aquilo que fizemos.
A vida é uma coisa estranha onde, se quisermos, aprendemos todos os dias. Eu ainda estou a aprender a lidar com despedidas. Mas, cada vez mais, olho para elas como o motivo para regressar ao meu porto de abrigo. Afinal é lá onde posso sarar as minhas feridas para continuar a viver neste mundo mundano.
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