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A mostrar mensagens de maio, 2020

Acordei-te?

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Abro os olhos devagar. A primeira coisa que vejo são as suas coxas, que albergam em si aquele conjunto de folhas que o acompanha desde que aqui cheguei. Deitada de barriga para baixo, estou com alguma dificuldade em me mexer. Quero ficar ali para todo o sempre. Suspiro ao de leve e sinto o cansaço do meu corpo e fecho novamente os olhos. Não é um cansaço mau. É um cansaço bom. Até há pouco tempo pensava que todo o cansaço era mau. Mas ele mostrou-me que não. Deve ser ainda de tarde... O cheiro do cigarro que ele fuma está por todo o quarto. Quando ele lê, tem quase sempre que fumar um cigarro. Oiço-o murmurar.  Abro novamente os olhos e, devagar, ergo um pouco a minha cabeça da almofada amarrotada e vejo com ele mexe os seus lábios ao de leve, emitindo um som tão baixo, que nem eu sei como fui capaz de o ouvir. Por qualquer razão que desconheço, o meu cérebro entendeu que agora conseguia coordenar o meu corpo e acabo por me mover. Seguro no lençol, que apenas me cobr

Lê-me Um Poema

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Lê-me um poema como se fosse o teu último e o meu primeiro escrito que me alerta os sentidos e me queima a pele. Lê-me um poema, assim, desprendido e inócuo sem sentido e comedido. Lê-me um poema com significado e encorpado, entusiasmante e brilhante. Lê-me um poema bonito que me encha de alegria tonta por te ter do meu lado livre e libertino. Lê-me um poema dessas tuas aventuras que não são as minhas, guardadas no meu peito e desenhadas pelo meu pensamento, mas nunca por mim vividas. Lê-me um poema floreado, que mascare tudo aquilo que de cinzento está à minha volta, à tua volta, à nossa volta. Lê-me um poema disso: da realidade que nos consome num diário apressado que se repete vezes sem conta, às vezes vagarosamente repentino. Lê-me um poema que me mostre aquilo que tens de mau, o que tens de pior esse pior que se confunde com aquilo que também eu sou. Aquilo que também eu sou.  Aquilo que tu és. Lê-me um poema daquilo que

Parar a Tempo II - Brincar com as Palavras

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- Nunca soubeste lidar com essa carência afetiva... - Tu também não. - Pois não. - Mas a tua carência afetiva implica contigo e com os outros. - E tu sofres tudo sozinha. Sorrio. Ele tem sempre a mania de que me conhece. - Sim, sofro tudo sozinha. Nunca quis causar problemas a ninguém. Se há coisa que eu nunca quis foi ser um problema fosse para quem fosse. - Por isso é que te escondes na tua sombra. - Claro. Sempre andando despercebida e com cuidado para que continue a ser... a ser quase invisível. Amparando o que me vai caindo nos braços... Daí que tenhamos feito bem em parar fosse o que fosse. Ele pega no cigarro. - É curioso como é que te tirei dessa sombra. Encosto-me na cadeira. Tenho uma leve dor de cabeça que me acompanha desde a manhã. Agora, já ao entardecer, a moinha torna-se mais evidente. - Curioso? - Sim... Até hoje não sei bem como o fui capaz de o fazer... - Isso é fácil. Sentias-te sozinho e levaste tudo na brincadeira. - Da maneira que falas até pa

Numa Tarde de Verão

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As janelas estão abertas. Hoje, o sol apareceu e eu gosto que a luz entre pela casa. O tempo está mais quente, o que também é agradável. Ultimamente, não tenho tido vontade de ter a televisão ligada, apesar do tempo que tenho passado em casa, muito mais do que o usual. No entanto, também nos últimos dias, tenho sentido a necessidade de ter algum ruído à minha volta, nem que seja baixinho. Entro na cozinha e ligo a televisão e nem mudo de canal. Estamos no início da tarde, está a dar um daqueles programas de entrevistas a pessoas conhecidas. Cumprindo a rotina de deixar tudo arrumado, começo a lavar a loiça, ao mesmo tempo que o cortinado dança, quase ao meu lado, pelo movimento da leve brisa que se faz sentir. O sol que entra pela janela, a tranquilidade que vem da rua, sem grandes barulhos, apesar de estar na cidade, transporta-me para aquele local onde me sinto em paz. Regresso àquele sítio que para mim é a minha verdadeira casa. Paro o que estou a fazer. No espaço de um mom