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A Mulher que Não Sonhava

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- Porque é que estás sempre com ele? - pergunto, olhando para o fio que ele traz no seu pescoço. Sem deixar de olhar para mim, ele sorri. - Porque é que queres saber? Encolho o ombro de forma quase imperceptível. - Gostava de saber tudo de ti. O azul dos seus olhos parece tão claro, quase como se conseguisse ver o meu reflexo. - Achas que não sabes? Fecho os olhos e sorrio levemente. Ele e a sua mania de me responder de forma tão vaga. Sinto um arrepio e estremeço. Viro a minha cabeça para o outro lado e abro os olhos. Olho para o chão e ali está ela. Ali está ela, à beira da cama, deixada ao acaso, como se ali estivesse porque o seu propósito estava já traçado desde o início. Deitada na cama, estico o meu braço e pego na camisa de flanela. Antes de a vestir, cheiro-a. Tem o cheiro dele, o mesmo que está impregnado na minha pele. Roço os meus lábios naquele tecido quente, ao mesmo tempo que sinto a barba dele no meu ombro, deixando os seus lábios viajar ao de l...

A Pedra Pequenina

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Ela sente-se tão pequenina. Tão pequenina como uma formiga que anda tão rápido para se esconder... Pensando melhor. Não. Ela não se sente como uma formiguinha, até porque ela não foge. Ela não se mexe. Ela apenas fica ali, no seu canto, à espera que alguém lhe dê um pontapé que a faça rebolar para a beira da estrada. Sim. É isso. Ela sente-se como uma pedrinha. Pequenina, redondinha, daquelas que passam despercebidas.  É assim que ela se sente ao pé de todas as outras pedras imponentes. Daquelas que são impossíveis de não se fazerem notar.  Ela apenas está ali, naquele canto a admirar tudo. A admirar as pessoas que passam, os sorrisos de quem é feliz, o beijo de quem está apaixonado, o abraço apertada de quem se ama. É sempre tudo tão arrebatador que, por um momento, ela esquece-se da sua condição de ser pequenina e sonha... Imagina... Imagina, como seria se fosse ela? Se fosse ela a andar na rua a rir, se fosse ela a andar de mão dada, se fosse ela a evidenciar-se no ...

O Amor Utópico

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Amélia olhava para as pessoas à sua frente e sorria. João e Maria eram perfeitos um para o outro. Os seus rostos mostravam aquilo que devia ser a felicidade... Uma ligação muito pessoal, uma intimidade que se expressa nos pequenos gestos. Ainda bem. Eram felizes e isso é o que importa.  Nada mais.  Tudo vale a pena por isso... Tudo vale a pena para que aqueles a quem se ama sejam felizes. Aos quarenta anos de idade, Amélia nunca tinha experimentado o amor. Sabia o que era, lia isso nos livros, ouvia o que era esse sentimento nas canções de vários músicos, via exemplos disso na televisão. E, secretamente, ela pensava que isso era um máximo. A possibilidade de encontrar alguém em quem se colocava todos os seus sentimentos e confiança para continuar a vida em conjunto... Alguém a quem podia abraçar, mas também poder dar-se ao luxo de se deixar abraçar... Tudo isso, agora, fazia parte da sua cabeça, como se pertencesse a um sonho longínquo, que tinha tomado as formas d...

A invisibilidade de Camila

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O céu estava escuro, mas ela decidiu sair de casa na mesma. Queria poder sentir o vento fresco a bater-lhe na cara. Ao menos isso ela podia fazer sem pedir autorização a ninguém, sem ter em conta o que quer que fosse. Àquela hora, no final da tarde, as ruas estavam cheias. A maioria das pessoas regressava do trabalho ou da escola o que tornava ainda mais fácil, Camila passar despercebida entre todos. Muitas vezes ela tinha a sensação de que podia chorar, rir sozinha e até cantar baixinho sem ninguém dar conta.  Era verão, por isso, ainda não tinha anoitecido. Fechou os olhos enquanto andava calmamente. Ouvia risos, gritos, conversas, palavras soltas... A agitação habitual no fim de mais uma jornada. Hoje, Camila estava particularmente cansada. Ainda não sabia para o que servia ao certo. Era muito possível ela não servir para grande coisa. Ela gostava de ser tudo aquilo que não era, por isso sonhava. Sonhava... E, naquela calçada, ela já estava a sonhar.   Esta era uma...

O Regresso a Casa

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"Pi! Pi! Pi! Pi!" O despertador tocava, mas não acordava Marta, que estava já de olho aberto há algum tempo. Estava frio e a vontade em se erguer da cama era nula. Deixou-se ficar. Mas, por mais que quisesse, não conseguia descansar com a ideia contínua de que os cinco minutos a mais que ia ficar deitada estavam a passar demasiado depressa e que, mais cedo ou mais tarde, tinha de se levantar.  Descobriu-se e pôs-se a pé. Estava completamente a dormir e deixou-se guiar pelas suas próprias rotinas, que o seu cérebro tinha já memorizado. Arranjou-se e foi trabalhar. No caminho para o escritório as boas memórias que tinha assaltaram a sua cabeça, como tantas outras vezes acontecia. Sorriu. Sabia ao menos que tinha sido feliz no seu passado. E, o mais engraçado, é que enquanto viveu esses momentos ela, por alguma razão que desconhecia, tinha a consciência de que esses seriam os melhores momentos da sua vida. Tentou ser positiva, pensado que, ao menos, tinha tido anos em qu...