O Engano Provocado

"-Tu sempre fizeste de tudo para não estares aqui! Agora sai! Sai de vez e que o Diabo te acompanhe!".

Alexandre acordou sobressaltado. A imagem era tão real. Tal e qual como quando falou pela última vez com Maria. Era como se ela estivesse estado ali, na sua sala, à sua frente. Mais uma vez, Alexandre adormeceu no sofá. Estava tudo completamente às escuras. Um copo de whisky vazio, em cima do braço do sofá. Por sorte, não tinha caído ao chão. Estava com a boca completamente seca. O álcool tinha o precioso efeito de o deixar atordoado. Tão inconsciente que, por momentos, se esquecia de tudo. Agora restava apenas uma dor de cabeça.

Um som agudo, ainda piorou a dor. Era a campainha. "Maldita!", pensou. Tinha perdido a noção do tempo. Não sabia se era de manhã, de tarde ou de noite. Insistiam. Esforçou-se para levantar-se do sofá, mas as suas pernas estavam demasiado pesadas. Agora já não era a campainha. Agora batiam com força na porta. As pancadas pareciam que iam deitar a casa a baixo. Pelo menos aos ouvidos de Alexandre.
- Alexandre! Abre a porta, por favor!

Ele conhecia bem aquela voz. Isabel. Era ela. A fiel Isabel.
- Calma. Já vou.

A custo, Alexandre chegou até à porta. Depois de duas tentativas lá a conseguiu abrir. Ficou parado, na ombreira da porta, a olhar para Isabel. Ao ver a expressão de Alexandre, Isabel percebeu de imediato, que este se encontrava numa profunda tristeza. Ao mesmo tempo, sentia uma enorme compaixão, por este amigo. Os olhos azuis de Alexandre estavam completamente vazios.
- Outra vez? Já te disse que isso não resolve nada. Foi uma opção tua. - disse Isabel, ao mesmo tempo que entrava em casa de Alexandre, que estava num completo caos. Dirigiu-se às janelas, desviou os cortinados e abriu os estores. A luz entrou na casa de tal forma, que quase deixou Alexandre encadeado. Isabel fixou o seu olhar nele. "Está destruído", pensou.
- Porque é que vieste? - perguntou, Alexandre.

Isabel chegou-se perto dele e ajudou-o a sentar-se.
- Porque é que eu vim... Sabes bem porque é que eu vim. Há dias que não dizes nada. Ninguém sabe de ti. Afinal de contas, o que é que se passou?
- Só sou capaz de te responder a isso, se trouxeres para aqui a garrafa. - Disse Alexandre, entre um sorriso.
- Afinal, não estás assim tão mal. - disse Isabel. - Mas nem penses que te ponho a beber. Só se for café.
- Pode ser...

Isabel levantou-se e foi direita à cozinha. Alexandre sabia bem onde estavam as garrafas. Dizer a Isabel para esta lhe fazer um café era o melhor pretexto para dar tempo de as ir buscar. Meio às escondidas dirigiu-se ao armário, enquanto ia respondendo num "sim sim" àquilo que Isabel dizia. Voltou a sentar-se e encheu novamente o copo. Passados poucos minutos, Isabel regressava com duas chávenas de café. Assim que percebeu o que Alexandre tinha feito, resignou-se:
- Eu não acredito! 

Ele olhou para ela com aquele ar que o caracterizava. Aquele ar de malandro, que Isabel já conhecia de cor. Percebeu que a melhor maneira de o ajudar era sentar-se e beber um copo também. Não queria discutir, apenas queria estar com ele, mostrando que podia contar consigo. E,agora, talvez a melhor forma de o demonstrar, era beber com ele. Isabel foi buscar um copo, e Alexandre, fez o favor de o encher. Olhou para ela e sabia que tinha ali alguém com quem podia contar. E, pelo menos, isso, ele não podia desperdiçar.
- Alexandre... O que é que tu foste fazer...
- Fiz o que tinha de ser feito. Isto já não era vida para ninguém. Sabes bem como ando cansado.
- Desculpa dizer-te, mas escusavas de te ter enfiado na cama com outra.
- O que é que querias que eu fizesse?!?!? - gritou, Alexandre. Isabel calou-se - Como é que eu ia fazer com que ela me deixasse? Sem nenhum razão aparente?

Isabel engoliu em seco.
- Isso é de loucos...
- É de loucos... De loucos é esta perseguição... Eu não podia continuar a pô-las em cheque!

Isabel suspirou. "Mas que vida... Um homem correcto, que apenas queria estar em paz e não conseguia", pensou. Fugir ao mediatismo e à chantagem tinham levado Alexandre ao desespero. Sem saber o que fazer provocou uma traição só para que Maria o deixasse. Só assim lhes podia dar algum sossego. 
- Foste tu que deste o toque ao fotógrafo para vos fotografar na varanda? Ou foi só por acaso?
- Combinei tudo com ele. Foi apenas preciso mandar um toque e lá estave ele a tirar as fotografias. E tudo apareceu na capa da revista no dia seguinte.

Agora, Alexandre falava baixo. Com o copo na mão encostou-se novamente no sofá, com um olhar completamente perdido.
- Foi apenas preciso chegar a casa para encontrar a Maria completamente desfeita, sentada no nosso sofá, com a mão naquela revista. Eu senti que tudo tinha acabado ali. Mas eu não podia continuar a ser egoísta. Eu não podia continuar...  Não podia continuar. 

Alexandre falava como se quisesse convencer-se a si próprio de que tinha tomado a decisão certa. As lágrimas começaram a cair. Pela primeira vez, Isabel via Alexandre totalmente resignado perante alguma coisa. E isso foi algo que a chocou. Um homem de coragem, que agora estava prostrado, por não conseguir proteger quem mais amava. E a melhor maneira que encontrou para o tentar fazer foi fugir, e magoar, quem sempre tentou cuidar. Isabel levantou-se, sentou-se no ombro do sofá. Pôs o braço à volta de Alexandre e assim ficaram. Por vários minutos, talvez horas, em completo silêncio. Mas, na cabeça de Alexandre ele continuava na sua sala e à sua frente Maria gritava:

"- Sai de vez e que o Diabo te acompanhe!".

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Dúvida da Certeza

Posso dizer-te que Gosto de Ti?

Conhecer e Dar-se a Conhecer