O Diário Escondido

Há momentos em que as coisas nos vêm ter às mãos sem estarmos à espera. Ouvimos histórias que nos fazem rir, outras chorar, mas as que mais me prendem a atenção são aquelas que nos fazem pensar. O que escrevo a seguir pode ser ficção ou realidade. Isso deixo ao vosso critério, mas pensei que devia partilhar.

"O móvel do quarto dos meus pais tem de ser novamente arrumado. Eles já não estão cá e é a altura mais do que exacta para esvaziá-lo. Vasculho alguns vestígios da minha família que possam ficar guardados, na tentativa de proteger e de imortalizar alguns objectos que permaneçam como algo que faça parte da minha família. Ou seja, algum legado para mim e para aqueles que estão para vir. Continuo a procurar e numa caixa velha encontro um pequeno caderno, com uma capa de pele castanha, cheio de pó e com as folhas amarelas. Um diário? Parece que sim. Abro e rapidamente percebo que são vários escritos da minha mãe. Pelas datas depreendo que foram escritos na sua juventude. Há um que me desperta a atenção e, agora, me faz olhar para os outros de forma diferente.

Lisboa, 28 de Agosto de 1972

As horas passam calmamente e nós permanecemos.

Sorrio em todos os dias que passam. Sempre no mesmo local e sempre ao lado das mesmas pessoas. 
Vou vivendo boas experiências e desejo que nunca acabem. Sinto que sou importante. Sou aquela que está sempre presente quando é preciso e não me queixo, porque sei que esse é o meu papel. Mas nem sempre tudo corre bem. Existem tristezas, obstáculos, desânimos e aborrecimentos. Tantos que nos fazem desejar que o dia acabe. Que tudo acabe, rapidamente. Mas no dia seguinte, tudo parece diferente. Tudo está melhor, porque estamos com alguém que nos faz sentir bem. 

Hoje dou conta de que, na verdade, nunca serei igual a estas pessoas com quem me dou todos os dias. Seremos sempre diferentes. Talvez por nos conhecermos há menos tempo, por não termos vivido outras experiências e, também, por, verdadeiramente, temos um outro tipo de relação. Talvez a tenha confundido com amizade. Quer dizer... Para mim eles são meus amigos. No verdadeiro sentido. Talvez seja por isso que desejo com todo o meu coração que eles sejam felizes. 

Desde há muito tempo que tenho vontade de me vir embora. Há muito que não me sinto bem com algumas situações. Mas por agora não posso. Tenho de ficar e cumprir o meu papel. O meu papel de ajudar os outros e de ser um apoio sólido, que nunca vira as costas. Até há poucos dias tive medo de dizer que me queria vir embora. Não queria deixar ninguém mal ou preocupado. Fiquei triste comigo própria quando acabei por confessar que me iria embora mais cedo ou mais tarde.

Mas hoje percebi, finalmente, que não há nada a temer. Eles ficarão bem. Ninguém é insubstituível. Eu não sou insubstituível. Porque é que haveria de ser... Não faço nada que outra pessoa não seja capaz de fazer. Penso que fiz aqui uma grande confusão, porque acreditei tanto que algo era verdade que agora que sei que não é, não posso deixar de dizer, que sinto um grande vazio. Não é inveja nem egoísmo, é apenas tristeza. No entanto, ao mesmo tempo, também fico descansada. Porque sei que ao ir embora tudo ficará bem. E as pessoas de quem tanto gosto ficam bem e vão continuar a sua vida. Isso faz-me sorrir e estar descansada.

Daqui a uns tempos chegará a altura de me ir embora e comigo levarei momentos que nunca vou esquecer. Cumpri o meu papel e levo no meu coração pessoas que vão estar sempre comigo. 

Até me ir embora vou fazer de conta de que tudo está bem (é bom estar a escrever isto para que me convença ainda mais e tenha força e ânimo para o continuar a fazer). Vou ainda aproveitar os bons momentos que aconteçam e continuarei a fazer de tudo para ajudar. Porventura, deveria ter sido actriz... Manter esta postura não é fácil. Mas vou conseguir! Por agora não quero aborrecer ninguém com estes dilemas, nem nunca os contarei, por isso mesmo. Eles não precisam de saber disto. De se ocuparem com isto...

Resta-me escrever. Poderei sempre fazer isso, sem vergonhas. Graças a Deus que, aqui, ainda posso escrever."

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