Quando Não Se Sente Nada

Será que não sentir nada é pior do que sentir alguma coisa? Não sei. Mas admito que não sentir nada face a uma situação ou alguém desagradável é inquietante... Não com a situação ou pessoa que não nos faz bem, mas pela sensação de que face àquilo que seria uma tortura para outra pessoa qualquer, para mim é nada.

É nada.

Uma simples brisa num dia de calor faz-nos sentir muito mais do que aquela situação ou pessoa.

Sim. É inquietante para a nossa cabeça. Talvez porque racionalmente conseguimos decifrar o que é correcto e o que é errado. O que se deve ou não fazer. Como devemos ou não reagir. E aí gera-se um conflito dentro de nós. É como se a nossa mente andasse em círculo... ou melhor, é como um ciclo vicioso: aquilo é mau, a minha cabeça diz-me o que devo fazer, mas aquilo que sinto é vazio. Não deveria eu sentir algo para poder realizar aquilo que a minha cabeça manda? Mas se não sinto não posso fazer aquilo que a razão me dita, por muito que fosse o mais certo. O sentimento, ou a falta dele, sobrepõe-se à razão e, quando assim é: nada a fazer. 

Não se sente. Ponto final.

Não me venham com tretas lamechas de que o não sentir é, por si só, um sentimento. Errado. Isto não é como a água que dizemos não ter sabor, mas quando tem sabor sabemos identificá-lo e sabemos que algo não está bem.

Novamente, a mente é tramada. Ganhamos consciência de que nada sentimos, percebemos porque agimos de certa forma (mesmo que não seja a melhor). Mesmo estando incapacitada de ação, a minha cabeça está sempre a dizer-me que estou a fazer mal. E aí vem o inferno da culpa. Sentimo-nos culpados por nada sentir. A mente também nos provoca sentimentos e, quando assim é, o que fazer? Como se lida com este julgamento constante de nós próprios?

Porque, na verdade, isso é inútil. Do que me vale julgar a mim própria, apontar as minhas culpas, se, depois, não consigo mudar a minha acção. Se depois não consigo mudar a minha atitude face àquela situação ou alguém que nada me provoca? O auto julgamento, neste caso, é de facto inútil. Porém, e infelizmente, não o conseguimos parar.

Como chegámos até ao ponto de nada sentir? Como é possível perdermos a capacidade de exercer aquilo que também nos torna humanos? Só podemos exercer em pleno a nossa condição de ser humano se aliarmos essas duas coisas: a razão e o sentir. Elas têm de andar de mãos dadas. Como seguir, então, face a essa situação ou a alguém que nos desagrada, sem o sentir? Já que é inútil, neste caso, termos a nossa razão...

É um beco sem saída e é, de facto, extenuante. Sim. É extenuante.

Torna-se ainda mais pesado quando depois percebemos como chegámos a este estado de não sentir. Tudo o que nos levou a ser assim. O que perdemos, o que deixámos perder, os sonhos que nunca realizámos, as amarras escondidas, os medos infundados, o sofrimento. Sim. Talvez tenha sido por essa dor... Por esta ser constante, que já não habituámos a ela e, agora, já não a sentimos. Sim... Essa pode ser uma explicação.

O pior é que face a estas situações ou pessoas o facto de não sentirmos isso é também mostrar um pouco do nosso pior. Mas nem raiva conseguimos sentir face a essa situação ou pessoa por despertar um pouco do pior que há em nós. Nem isso conseguimos sentir e ficamos neste estado amórfico, a tentar imaginar como seria se tudo fosse diferente.

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