O que poderá acontecer amanhã?

- O que poderá acontecer amanhã?
Sei lá eu o que poderá acontecer amanhã. Quem pode saber o que vai acontecer agora, amanhã ou depois? Ninguém sabe.

- Só sei que quando sair daqui vou-me molhar.
Respondo de forma directa, sem paciência para rodeios. Os meus óculos molhados quase que não me
deixam vê-lo. Eu sei que ele apenas me quer dar alguma atenção, mas, a verdade, é que estou tão cansada. Limpo as lentes e volto a colocar os óculos. Pego no café e bebo-o, calmamente.

A chuva continua a cair. O som dos pingos invade a pequena loja, que se encontra sempre em
silêncio. Estranhamente, aquela espécie de boteco está sempre assim: em silêncio. Talvez seja por isso que eu não goste de aqui estar. Estar rodeada de silêncio faz-me pensar ainda mais. E se há coisa de que estou cansada é de pensar.

- Mas não és capaz de prever o que vai acontecer amanhã?
Fecho os olhos. Porra para estas perguntas. Porque raio quer ele tanto saber o que vai acontecer amanhã? Porque raio queremos sempre saber o que nos vai acontecer? Porque razão estamos sempre a pensar no que está por vir? Onde vamos estar? Será que na mesma? Na mesma podridão ou melhor? No mesmo trabalho ou noutra coisa diferente? Com os mesmos problemas ou sem nenhum? Com a mesmíssima solidão de agora ou com um amor?

Suspiro. Encaro-o de frente. Ele vai perceber. Aliás, ele tem de perceber... Aquilo que lhe digo não pode ser assim tão estranho.
- Não sei. Como queres que saiba? Tudo pode permanecer como tudo pode mudar. Algumas coisas podem ficar iguais e outras serem diferentes. Como queres que saiba?

Os seus olhos azuis encontram os meus castanhos e... Agora, sim. Agora, ele percebeu. E, como ele percebeu, isso dá-me vontade de continuar, nem que seja apenas um pouco.
- Olha para mim... Basta olhares para mim... Da maneira como o estás a fazer neste momento... - sussurro. Vejo no seu olhar nítido a mudança de pensamento, a vontade de me dizer que eu não devia estar assim. Coloco a minha mão sobre a sua.
- Não. Não me digas que não é assim... Que eu não sou assim. Tu sabes bem que eu tenho razão. Eu sou isto, A. Nada tenho... Nem sequer consigo equacionar se algum dia o vou ter. Não sei... Posso dizer-te que anseio com tudo o que sou ter o que não tenho... Mas de que adianta isso? De que merda adianta isso, se isso nada me traz? Espero desde sempre por ele e nada... Pior... O pouco que tinha é-me tirado dia após dia... Agora... Diz-me! Diz-me como queres que te fale sobre o amanhã? Diz-me, merda!

Sei que estou a ser dura. Que ele não o merece. Ele só me quer fazer companhia. Mas ele tem de entender... Ele tem de entender que o amanhã é uma incerteza... que o amanhã é imprevisível.

A chuva cai com mais força. Desvio o meu olhar do dele e dou conta das horas pelo relógio na parede. Tenho de ir. Não posso evitar mais a chuva.

Levanto-me, deixo algum dinheiro no balcão e aperto o casaco, que agora está húmido.
- Como te disse, só sei que me vou molhar.

Dirijo-me à porta, enfio o capuz na cabeça e saio. Sim. A única coisa que sei é que me vou molhar. 

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