O homem à Espera na Plataforma
NOTA: Este texto é inspirado no tema "Sitting on a Platform" de James Morrison. Dêem um olho à letra ou oiçam a música antes de lerem o texto. Aqui ficam os links:
É no meio da maior confusão onde Júlia se sente melhor... Nos locais por onde passam centenas de pessoas a toda a hora... Talvez por saber que ninguém irá reparar nela, fazer-lhe questões, obrigá-la a dizer algo. Era por isso que tanto gostava de parar pelas estações de comboio. Principalmente, as do centro da cidade, sempre cheias de gente. Não deixa de ser interessante que é nos grandes aglomerados de pessoas que cada um de nós se torna ainda mais invisível. Aí está: essa necessidade de se sentir invisível perante todos os outros levava Júlia a subir até a uma das plataformas da estação e aí sentar-se.
Era, precisamente isso, o que agora fazia.
Nunca podia estar muito tempo ali, pois teria, mais cedo ou mais tarde, alguém a perguntar por si. É óbvio que ela não podia dizer simplesmente “decidi estar sozinha durante dez minutos e vou sentar-me na estação sem pensar em nada a ver as pessoas passar de um lado para outro”. Não. Nem pensar. Isso parecia demasiado sinistro e qualquer um iria pensar que ela estaria louca e iriam levá-la a um hospital, ou tentar arranjar-lhe uma companhia... iriam “cozinhar” um encontro com alguém. E “arranjinhos”, para Júlia, era pior do que ir ao médico. Não suportava “coisas fabricadas”, fosse o que fosse.
Eram 18:30h.
Hora de ponta.
Os comboios estavam a abarrotar de gente. Tal como se costuma dizer, pareciam sardinhas enlatadas em cada carruagem. Olhou em frente e viu um homem sentado num dos bancos da plataforma em frente. Algo a chamou à atenção naquela figura. Um interesse súbito surge por aquele ser que lhe parecia diferente de todos os outros que por ali passavam. Leu a informação nos placares e viu que o comboio pelo o qual o homem estava à espera iria chegar em dois minutos.
Júlia ficou a observá-lo. Tinha o cabelo castanho claro, curto e aparentava uns trinta anos. Tinha barba de três dias e um blusão de cabedal que parecia ser o melhor companheiro para o frio daquele final de tarde de Fevereiro. Ele não parava de olhar para o relógio. É certo que parecia estar com pressa... ou melhor, parecia estar ansioso. Talvez não estivesse à espera do comboio para seguir viagem, mas sim à espera de alguém.
Assim que vislumbrou a primeira carruagem, o homem levantou-se. Não se dirigiu para o limite da plataforma como se quisesse entrar. Ficou a ver todas as pessoas que saiam do comboio. Levou alguns encontrões ao mesmo tempo que se dirigia, de novo, para o banco. Ali ficou. Novamente, a olhar para o relógio. O próximo comboio estava marcado para dali a dez minutos.
Júlia ficou a ver cada movimento daquele homem que, agora ela tinha a certeza, estava à espera de alguém. O homem estava com um ar ainda mais preocupado. Júlia imaginou que ele estaria à espera de uma mulher. De certeza. Aquela vontade e aquela firmeza apenas seria por alguém de quem ele gostasse. E, quase de certeza, que seria uma mulher. Talvez um amor antigo que quisesse reatar.
Ele já não sabia em que posição se sentar. Estava sempre a mudar, daí que Júlia percebesse que ele já deveria estar ali antes de ela ter chegado. Voltava a por-se de pé e andar para a frente e para trás.
Perdida a observá-lo, Júlia nem se tinha dado conta de que mais comboios estavam a chegar. Agora um na linha onde se encontrava e outro na linha daquele homem. Deixou de vê-lo por uns minutos, já que estavam imensas pessoas a sair das carruagens, tapando-lhe a visão. Talvez fosse desta vez que ele tivesse encontrado quem ele queria.
Quando finalmente conseguiu ver alguma coisa para a oura plataforma descortinou, novamente, a figura daquele homem, agora, de cabeça baixa, parado perto das escadas que davam acesso à estação. Era inevitável para Júlia não reparar na forma como ele descaia os ombros e como fitava alguns dos casais que ainda tinham ficado por ali a abraçarem-se. Júlia podia jurar que via naquela expressão corporal nada de inveja, mas sim tristeza e alguma nostalgia.
Júlia não conseguia deixar de estar intrigada com aquela situação. Estaria ele à espera de alguém que simplesmente estava atrasado, ou de alguém que literalmente lhe tinha dado uma “tampa”? Seria ele um daqueles homens apaixonados que continuam a frequentar os locais onde o foco do seu interesse também frequenta?
Ela não sabia. Mas não podia deixar de sentir uma enorme compaixão por aquele homem. Júlia decidiu acreditar que ele estaria à espera de alguém que era importante, que ele amava, mas que simplesmente o tinha deixado plantado à espera sentado numa plataforma da estação de comboios. Devia ser duro. Júlia sabia que era duro ser posta de lado por alguém. Porém, a persistência leva o ser humano a fazer de tudo para não desistir. A agarrar-se àquela ínfima esperança de que as coisas ainda se podem resolver. À esperança de que com uma conversa, um encontro, um copo de vinho, a felicidade que já sentiram em conjunto vai regressar. Era notório que a dúvida “será que devo continuar a estar aqui à espera?” começava a tomar conta da sua face. Pelo menos era isso que parecia a Júlia.
Por mais meia hora que ali esteve, Júlia continuou a ver aquele homem que ficava cada vez mais sozinho. Sentado, com a cabeça nas mãos. A hora de ponta estava a passar. Júlia olhou para o relógio e viu que eram já 19:30h. Ambos ergueram a face ao mesmo tempo e os seus olhares cruzaram-se. Por breves segundos ficaram assim. A olhar-se. Júlia ficou com a sensação de que tinha sido apanhada a roubar uma bolacha e não sabia o que fazer. Ela podia jurar que estava a corar. Do outro lado, o homem fitava-a com aquele ar de quem sabe o que ela está a pensar: “olha-me outro parvo aqui à espera depois de levar uma nega”.
Finalmente, desviaram o olhar. Júlia relembrou-se das horas que o relógio marcava: 19:30h. Ela tinha de se ir embora, estava atrasada e já não ia conseguir evitar as perguntas sobre onde é que ela tinha estado. Levantou-se e teve vontade de ir até àquele homem, colocar a mão sobre o seu ombro e dizer-lhe: “é melhor ires embora”.
Ao invés, desceu as escadas e foi para casa com a imagem daquele homem sentado na plataforma daquela estação de comboios.
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