Voltar ao Nada, Quando já se teve Tudo

Todos nós já ouvimos frases como "voltar a não ter nada, quando já se teve tudo, é que é difícil". Na verdade, creio que esta é uma das afirmações mais correctas que já podemos ter ouvido ou lido na nossa vida. É evidente que esta é uma realidade que nos supera: quando não temos nada, estamos habituados a viver com nada. Se, de repente, conseguimos ter tudo estamos nas nossas sete quintas e habituamo-nos a ter o que quisermos e até aquilo que não quisermos. Quando chega a altura de descer, novamente, os degraus para o não ter nada, isso é que é difícil. É o mesmo que um sheik deixar de ser sheik e passe a ser um operário. É fácil essa adaptação? Claramente, que não.
 
Sei bem que, em certos casos, é mesmo necessário "descer de condição" e que esse ajustamento já vem tarde, porém não podemos olhar estas situações de ânimo leve. Confesso que, para mim, se um rico inconsciente, desce para o nível de pobre, não tenho a mínima consideração por essa pessoa, pois, com quase toda a certeza, estará nessa situação apenas e só por sua culpa. Quando um empresário leva as suas empresas à falência e, em seguida não tem dinheiro nem para mandar cantar um cego, isso não cria em mim qualquer tipo de simpatia. Fico, sim, preocupada com aqueles que estavam a trabalhar para este empresário e que desta forma ficam sem nada e em dificuldades. Não aqueles que nasceram com tudo do bom e do melhor, são licenciados em gestão e depois destroem tudo num abrir e fechar de olhos. Esses são os verdadeiros fracos, porque não tiveram a hombridade suficiente para fazer face aos desafios e a coragem necessária para não cederem à sua vontade de enriquecer de forma rápida e à sua ganância.
 
No plano dos nossos sentimentos, a frase "voltar a não ter nada, quando já se teve tudo, é que é difícil" ganha, também, grande sentido. Como é possível voltarmos aquilo que éramos depois de perdermos um grande amor, ou uma forte amizade? Esse é, na minha óptica, um dos maiores desafios interiores que enfrentamos. Como podemos voltar a viver a nossa vida depois de experienciarmos uma vida de folia, boa disposição e alegria trazida, por exemplo, por um grupo de amigos, que entretanto deixou de existir? Por outro lado, sairemos ilesos de um amor que entretanto se evaporou e o qual já não faz parte da nossa vida? Estes são apenas dois dos sentimentos em que a frase inicial deste texto se pode enquadrar. É, realmente, um trabalho árduo, este o de voltar à estaca zero quando já tínhamos alcançado o primeiro lugar desta corrida a que podemos chamar vida.
 
Tenho também consciência que é a partir destas situações que crescemos como pessoas. Porém também gostava de saber porque é que tem de ser sempre tão doloroso. É verdade, que a dor leva-nos a ser mais fortes, mas, por vezes, é demasiado. Principalmente, quando já temos pouco e até esse pouco desaparece. Por razões que muitas vezes a nossa razão desconhece, mas a verdade é que isso acontece. E como lidar com isso? Creio, plenamente, que são também estas situações que nos deixam cicatrizes. E aí entra em acção tudo aquilo que somos: o nosso feitio pode levar-nos a sarar as feridas, olhar para essas cicatrizes, mas mesmo assim seguir em frente, de coração aberto para outras experiências que nos levem a ser felizes. Ou, por outro lado, pode levar-nos a estar sós, a olhar para essas cicatrizes e não querer seguir em frente com medo de que essa dor possa voltar.
 
Perder. Sentir dor. Feridas. Ser forte. Ter Coragem. Olhar em frente. Caminhar. Sozinho ou acompanhado.
 
O ciclo tem de voltar a ser uma realidade, pois, só dessa forma, voltamos a viver, mesmo sem nada. É um processo difícil, mas é assim.

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