O Poder da Raiva e do Sonho
A raiva é um sentimento poderoso. Ou nos leva a explodir e a dirigi-la a alguém ou se não formos capazes de o fazer, ou não o podermos fazer, ela consome-nos. Rói tudo o que temos cá dentro, principalmente a nossa parte boa. Deixa-nos secos das melhores qualidades do ser humano: a boa conduta, a bondade, a boa disposição, a vontade de comunicar, de sermos livres. Sim. A raiva consome a nossa liberdade. E, se assim é, como podemos ser felizes se não somos livres?
Essa é uma das amarras que o homem tem em seu redor e que não lhe permite chegar aos seus sonhos. São tanto aqueles que ficam pelo caminho com o passar dos anos. Somos feitos daquilo que vivemos, das nossas experiências, daquilo que conseguimos realizar de forma espontânea. No entanto, também somos feitos daquilo que nos impõem, da dor que nos infligem, do sofrimento que carregamos ao longo da vida. Como sempre digo, somos feitos de coisas boas, mas também de coisas más. E, uma delas, é também a raiva. É impossível nunca ninguém ter sentido raiva. Todos nós já a sentimos: ou por um colega, ou por um professor, ou por um chefe de trabalho. Raiva porque não nos permitem fazer algo, porque não nos compreendem, porque não nos ensinam, porque se estão a borrifar completamente para nós.
Porém, aquilo que mais me assusta é aquela raiva que se instala em nós. Não é por uma simples situação que sentimos essa raiva. Não. Ela está sempre presente, mas nem sempre activa. Ou seja, é como se ela fosse crescendo dentro de nós, faz parte do nosso íntimo e muitas vezes parece que conseguimos controlá-la. Ela está até adormecida, até algo a despoletar. Penso que nos casos mais comuns esse tipo de raiva pode ser visível com um murro que damos na mesa, ou na parede, ou até nas nossas lágrimas. Ela tem um poder imenso, precisamente, por isso, porque quando acorda nada a pára. A nossa cabeça parece que anda às voltas e que nos apetece destruir tudo aquilo que nos rodeia. Sair e correr pelas ruas a gritar aos sete ventos. Desaparecer. A vontade que temos em nos evaporar e a frustração de não o conseguirmos pode dar cabo de nós. Por mais que a raiva queira saltar cá para fora o auto controlo tem de entrar em acção. Se não o fizermos o que seremos nós?
Por vezes penso, se não nos controlássemos seríamos mais felizes? Como dizia o outro "deitarmos tudo cá para fora" não será o melhor remédio?
Não consigo encontrar uma resposta. Talvez ela mude consoante a situação que temos à nossa frente. Sinceramente, não sei.
Só sei que se optarmos por nos controlar, o mais provável é que sintamos o nosso coração a acalmar e as lágrimas podem não parar de cair. E aí apenas fica a tristeza. Até nisso, a raiva mostra o seu poder. O poder em trazer a tristeza. A tristeza pela situação que vivemos, pela vida que sempre tivemos, pelas dificuldades que nunca conseguimos ultrapassar, por mais que tentemos, tristeza pela nossa imensa solidão. Porque quem se deixa abater pela tristeza provocada pela raiva está sozinho.
Qualquer pessoa que esteja verdadeiramente acompanhada tem um escudo de protecção onde pode encostar a sua cabeça e deixar aí tudo o que de mau a raiva traz e preparar-se para outro desafio. Quem nada tem, é obrigado a manter-se firme, a chorar e levantar-se sem a ajuda de qualquer mão. Não tem nenhum escudo a que se agarrar para suportar aquilo que de mau tem dentro de si. Não tem nada. É como um soldado que vai para a guerra sem qualquer protecção. E tudo
aí demora mais tempo a sarar, pois as feridas são mais profundas. As cicatrizes são muitas e a ele só lhe resta fechar os olhos e esperar que a guerra acabe. Com ele vivo, ou morto. Isso já não interessa, até porque ele já não sente as pancadas, já sabe o que é a dor e está habituado a ela.
Talvez haja apenas uma pequena coisa que pode tornar tudo suportável: conseguirmos manter a capacidade de fechar os olhos e sonhar com algo diferente. Talvez isso salve o soldado do abismo e a nós também. Talvez essa capacidade seja a única que nos permita combater a raiva que mora cá dentro e que nunca vai desaparecer. Se sonharmos, talvez sejamos capazes de a voltar a adormecer, e de forma mais rápida, quando ela acordar.
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