Sabias que Já Morreu?

Sabias que já morreu? Aquela ínfima esperança que ainda permanecia no meu peito, já morreu. Melhor dizendo, consegui matá-la. Era ela que me faltava matar para agora ser um terreno plano, infértil e cheio de silvas.

As pequenas flores de esperança que conservava dentro de mim, guardadas de todo o mal que me circundava, protegidas por mim do exterior, essas mataste-as tu. Bruscamente, sem piedade e inconscientemente. Mataste-as tu. Apenas as desfizeste com as tuas mãos, cruelmente e sem me pedir licença.

A culpa foi minha. Mas, pareceste-me tão inofensivo que te deixei entrar e mostrei-te o meu pequenino jardim, onde só moravam algumas pequenas flores... umas brancas, outras cor-de-rosa... Lembras-te?

Oh, pois! Claro que não te lembras. Se já nem sequer te lembras de mim, como te poderias lembrar dessas minhas flores, pequeninas, mas singelamente cuidadas. Para ti foi como esmagar uma folha caída da árvore, amarela e sem vida. 

Tenho a certeza de que foi tudo um terrível acidente. Não sabias tu que matavas a única coisa bonita que eu tinha guardada. Disso tenho a certeza. Esse foi o meu erro, deixar-te entrar no meu pequeno jardim, sentido que eras distinto e que saberias cuidar deste meu segredo. Foi tudo um terrível engano. Da tua parte, mas antes de tudo o resto da minha. Fui eu que permiti que me matasses as pequenas flores. Não conseguir reagir.

Depois de as matares, tudo à volta foi secando... devagarinho e de forma dolorosa, tudo foi morrendo. A erva passou de verde a amarela, para depois ficar completamente seca. E veio a terra. O meu jardim ficou em terra árida, pobre. No entanto, eu conseguia ver que teimava em crescer um pequeno pé verde. Como era possível que no meio de tal desolação ainda estivesse um pé verde a vingar?

Olhei em volta e já não tinha água. Ela desapareceu com as flores que arrancaste. Como poderia cuidar daquele pequeno pé verde? Com o tempo, passado como se passa um qualquer tempo num deserto, fui vendo como também o pé verde estava a ficar amarelo. Ele ia morrer. O destino final seria a sua morte, afinal de contas qual é a planta que sobrevive sem água? Qual é a coisa que cresce sem ter o seu principal alimento? Qual é a esperança que permanece viva sem ter algo que a acalente? Como poderia eu ainda sentir que tu voltarias, que me pedirias perdão, que me plantarias uma nova e pequena flor e que a regarias todos os dias para que ela voltasse a crescer e eu voltasse a ter um qualquer sentido da minha existência? Nada. Nada permanece vivo se não é alimentado.

Antes de que esse pequeno pé verde morresse devagar, como morreu tudo no meu jardim, decidi arrancá-lo da terra árida. É uma crueldade deixar algo plantado, sabendo que nada vai florescer. Então, agarrei nesse pé verde, nessa ínfima esperança, e arranquei-o. Com força, com determinação, com o vazio da minha dor, com toda a minha solidão, com toda a minha tristeza, com as lágrimas que me saltavam pelos olhos, que me corriam pelo rosto, tal e qual como agora que te escrevo, e arranquei-o. 

Olhei para ele na minha mão e apertei-o. Recordei-me do teu olhar desiludido enquanto matavas as minhas flores, esse é sempre o meu sinal de que eu não sou um jardim bonito e verdejante como todos os outros, e desfiz o pé. Abri a mão ao vento e deixei aqueles pedaços verdes e amarelos voarem para a terra árida.

Agora sim, tudo morreu.

Imagem: "Conversation in a Rose Garde" de Auguste Renoir

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