Ultrapassar o Limite
Pensamos sempre que há um limite que não vamos ultrapassar... Que nunca iremos fazer aquilo... Que nunca iremos por aquele caminho.
Acreditamos sempre que não admitiremos que ninguém nos obrigue a passar por cima de determinadas linhas. Não. "Há certas coisas que nunca permitirei". "O respeito por mim acima de tudo".
Eventualmente, a vida vai mostrar-nos o contrário. Eventualmente, vamos "bater de frente" com a realidade e perceber que as nossas escolhas têm consequências. Que valores mais altos se levantam (e podem ser bons valores) e que é por eles que nos devemos seguir.
A injustiça não é sinónimo de vergonha. Ou seja, não é por nos sentirmos injustiçados que devemos ter vergonha disso. Não. Não temos de ter vergonha se actos de terceiros nos infligem essa injustiça. Devemos ter, sim, vergonha de não a poder denunciar. Quão grande poderá ser essa vergonha? A vergonha de saber que erraram connosco e de não podermos falar sobre esse erro. De os confrontar, de mostrar a verdade, gritar de viva voz de quem é a culpa, que erraram, que mentiram...
Quantas e quantas vezes imaginamos que este tipo de situações acontecem e nós vamos ser aqueles heróis que não se calam, que denunciam, que dizem umas boas verdades na cara desses oportunistas? No entanto, quando a vida nos presenteia com essa situação, recuamos. Calamos e baixamos a cabeça.
Gostamos de conhecer histórias de coragem, de pessoas que não viram as costas, que exigem respeito por aquilo que são. São essas pessoas que nos fazem sonhar e pensar que não são todos como nós... E que bom que isso é. Existem pessoas que fazem a diferença.
Aquilo que nos coloca em questão connosco próprios é percebermos que nós não pertencemos a esse grupo de destemidos. Por muito que o tenhamos idealizado ao longo da vida... Não. Não o somos. Somos pessoas que erram, muito longe de sermos perfeitos.
Tenho-me lembrado muitas vezes de como costumava sorrir... Daquilo que costumava sonhar, da minha inocência e alegria. Agora, parece tudo tão longínquo. Outro dia, quando ouvia uma canção que não ouvia há muitos anos, percebi que ela continuava a provocar em mim o mesmo sentimento. Porém, com uma diferença: há uns anos esse sentimento era acompanhado com esperança. Conseguia fechar os olhos e ter a esperança de que o futuro ia ser diferente, de que iria alcançar aquilo que precisava para ser livre, para amar e para ser feliz. Hoje em dia, o mesmo sentimento é acompanhado por uma nostalgia latente de quem nada espera. Não estou à espera de nada.
É-nos muito difícil baixar a cabeça. O problema, é ultrapassarmos o
limite uma vez, criando a ilusão de novas metas. No entanto, esses
limites vão sendo, sucessivamente, ultrapassados, degrau a degrau. A custo de deixarmos de ser nós próprios, defendemos a nossa missão até ao fim.
O que restará de nós não será muito. Apenas a certeza de que cumprimos a nosso propósito, com mais ou menos vergonha daquilo em que nos tornámos.
Mas o que é que isso importa?
No final de contas, nada.
No final de contas, teremos aquilo que merecemos. Nada mais. Teremos as contas certinhas à nossa espera e teremos que as pagar, pois essas não desaparecem nem podem ser pagas por outros. Com vergonha ou sem vergonha teremos que as pagar.
A sensação de estarmos a ir contra aquilo que é verdadeiro, para
defender outros bons e sinceros valores é estranha. É, de facto, "um
sapo para engolir". E é tão difícil fazê-lo.
Comentários
Enviar um comentário