Tudo o que Ela Precisava

É com algum cansaço com que Ana fecha a porta de casa. É já noite e ela não se consegue concentrar em nenhum dos seus gestos já mecânicos, marcados pela rotina diária. Fui um dia e tanto. Diferente de tudo aquilo que ela podia imaginar. Diferente de tudo aquilo que ela sentia habitualmente. Diferente da monotonia que era a sua vida.

Tinha sido tudo tão espontâneo, tão sincero e tão livre que ela só podia sorrir. Como tinha sido bom. Como tinha sido saboroso. Como tinha sido intenso. No fundo, como tudo tinha sido tão cheio de vida.

Já no seu quarto, Ana senta-se na cama. Mergulhada naquilo que tinha vivido durante a sua tarde, ela começa a descalçar-se. Na sua cabeça, ela consegue vê-lo. Ele ali está com a sua vivacidade, com o seu sorriso, com o seu olhar carinhoso.

Ela lembra-se perfeitamente de como se sentiu bem junto dele. De como sentiu que pertencia ali. Ali àquele espaço, a ele. De como ela se sentiu confortável com ele. Em apenas umas horas, Ana estava prestes a esquecer tudo e a seguir aquele homem. Bastava que ele lho pedisse. 
Ana deixa-se cair na cama e coloca o braço sobre a sua cabeça. A realidade começa a bater-se sobre ela, porém, Ana ainda consegue sentir aquele entusiasmo de há umas horas atrás. Ela coloca a mão no peito e recorda, com saudade, o som das gargalhadas daquele homem. Como ele era engraçado... Naquela forma despreocupada e sincera que ele tinha, Ana estava fascinada pela forma como ele a tratava. Com tanto respeito, expressando tanta curiosidade sobre Ana, com tanto cuidado, com tanta ternura. 

Ana suspira e recorda como era o seu toque. Tão seguro por um lado, mas tão delicado por outro. Um toque de vontade, de querer, mas, ao mesmo tempo, tão simples, ingénuo e leve. Sim. Aquele simples toque no seu braço, que se fez prolongar por todo o seu corpo.
A alegria e a energia que Ana sentia dentro de si, levaram-na a colocar a sua cabeça sobre o ombro dele. 

E aí tudo parou. 

Há quanto tempo ela não se sentia assim protegida? Será que houve algum momento da sua vida em que ela se tinha sentido assim? Foi a primeira vez que sentiu que, efectivamente, ela não estava sozinha? Que ali, naquele momento, naquele abraço, ele estava ali para ela e por ela, querendo Ana acima da seu próprio querer. Sim. De certo, há muito que não sentia nada assim...

O telefone toca e Ana senta-se na cama. Olhando para o ecrã, ela conhece o número. E não atende. É a realidade que está a chamar de volta. E porra. Um sentimento diferente começa a invadi-la... Uma tristeza, nostalgia, frustração... É uma mistura de tudo isso que a preenche. É, no fundo, a sua realidade. Esta é a sua realidade, a sua rotina, o seu quotidiano, a sua vida. Não é aquela tarde e aquele homem que são a sua vida. Não é a alegria e o entusiasmo que voltaram a encher o seu coração que são a sua vida. Não. Isso foi momentâneo. A sua vida é aquilo: a sua solidão; saber que é um nada para si e para o seu mundo; sentir que estará sempre por si, não tendo ninguém para si; saber que a não ser visível faz parte de si. Sim. Essa é a sua vida.

Ana volta a deitar-se na cama, fecha os olhos e vê a face dele. Como ele tinha sido tudo. Tudo aquilo que ela precisava. Como ela tinha encontrado tudo aquilo que ela precisava. Numa simples tarde.

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