A Fuga de Treze

Treze tinha uma vida normal: andava pelas ruas quando não tinha aulas, brincava com os seus amigos na escola, a mãe e o pai cuidavam sempre dele, fazendo com que se tornasse num miúdo carinhoso, educado e a sorrir para a vida. 

Porém, as coisas mudam e a vida de Treze não foi excepção. Para um miúdo foi tudo repentino. As malas à porta, depois das contínuas discussões entre os pais, eram sinais que ele não poderia ignorar. Ele iria embora? O pai iria sair porta fora? Não. Afinal, não. Era ela. Aquela pessoa que ele sempre pensara que amara toda aquela vida conjunta abandonava o barco. A mãe saía de casa com a promessa de que iria buscá-lo para ficar com ela.

Treze não percebia muito bem o que é que estava a acontecer. Ele nunca tinha visto o pai chorar. Agora, parecia que era assim todos os dias. Quando um dia de manhã, Treze bateu na porta do quarto do pai e viu-o deitado, com uma garrafa na mão, ele sabia que o pai também estava a mudar. O medo crescia dentro de Treze: medo de que a mãe o tirasse da casa e do bairro que sempre conheceu, medo de ficar sem pai, medo de nunca mais ter a família a que estava habituado. Ele fez aquilo que qualquer um faz quando tem medo: fugiu. Fugiu para a rua e a rua tornou-se no único local que conhecia. E aí passava a maior parte do tempo. Era melhor estar aí do que ver de perto a degradação de tudo aquilo que conhecia.

Com a vivência na rua, veio a convivência com outras pessoas. Com outras pessoas que tinham já outro saber... O saber de como arranjar umas notas facilmente. Isso proporcionava a Treze uma adrenalina que ele desconhecia. Uma adrenalina de querer estar integrado. De encontrar naquele grupo pessoas que gostassem dele, mas, mais importante ainda do que isso: que o respeitassem.
Os delitos que Treze cometia começaram a ser conhecidos por todos. A autoridade que o pai uma vez teve, era agora uma miragem. Nem o pai tinha coragem suficiente para a exercer, uma vez que já a tinha perdido com o seu exemplo, nem Treze a poderia aceitar porque, para ele, o pai era aquele que não tinha tido capacidade suficiente para convencer a mãe a ficar.

O inevitável aconteceu: a mãe voltou. Passado algum tempo, a mãe aparecia em casa para levá-lo com ela. Mas Treze não queria. Ele não queria perder aquilo que tinha conquistado: a vida na rua. Treze ainda era menor, por isso não teve hipótese e teve que ir com ela.


Em todo o tempo que ficou fora, a vida da rua chamava por ele. Treze descobria agora que a vida na rua noutro bairro não era assim tão diferente. No entanto, a integração no grupo não era fácil, ele era sempre visto como o de fora. Um dia fartou-se e voltou a fazer aquilo que os pais lhe tinham ensinado: fugiu. Regressou à casa que conhecia. À rua no seu bairro.

O crime foi sempre tão fácil que por aí se deixou ficar. A prisão veio logo de seguida. Tudo aquilo que vivera até então, ficou cem vezes pior. Viu aquilo que nunca imaginou, até que voltou a pisar o chão da liberdade. Cá fora, colocou em prática tudo aquilo que tinha aprendido atrás das grades.
Hoje, Treze tem três filhos, divide a vida entre diferentes casas, com diferentes mulheres e continua a ter a rua como a sua residência. Hoje, Treze continua a fazer aquilo que os pais uma vez lhe mostraram: continua a fugir. A fugir da vida, a fugir da justiça, a fugir do perdão... A fugir de si próprio. 

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Quem me conhece sabe que sempre tive a ideia clara de que nós somos sempre influenciados, desde muito cedo, pela nossa vida familiar. É ela que dita os nossos medos, mas também a forma como encaramos a vida. Quando somos pequenos, é através do exemplo dos adultos que temos noção daquilo que podemos ou não fazer. É claro que o exemplo dos nossos amigos ou de outras pessoas também nos marcam e, muitas vezes, são esses exemplos que nos salvam de uma vida adulta que poderia ser um desastre. No entanto, muitos são aqueles que não têm essa sorte. Muitos são aqueles que não tem sorte. A vida familiar é uma merda. A vida fora de casa, que arranjam, é uma merda ainda pior.

A história de Treze é baseada num caso real. Eles acontecem, mesmo ao nosso lado. Hoje, depois de me relembrarem a história de Treze, dei por mim a pensar: a sociedade não falhou com Treze e com todos como ele? Se a vida familiar não existe, não deveria ser a sociedade a prevenir este tipo de vida? O problema de Treze e de todos como ele é que não tiveram ninguém que lhes desse a mão na altura certa. Não tiveram ninguém que pudesse fazer uma diferença real no seu crescimento. Não tiveram ninguém que lhes mostrasse que fugir não é opção.

Falhamos todos. Falhamos todos quando continuamos a pensar que a vida na rua é aceitável. Quando decidimos fechar os olhos face àquilo que está à nossa frente. É antes dos miúdos pensaram na rua como o seu oásis que se deve actuar! 

Ao mesmo tempo que me dava conta de que todos falhamos e não prevenimos este tipo de vidas também me perguntava: o que é que será da vida dos filhos de Treze? A probabilidade de, também, eles seguirem pelo mesmo caminho é demasiado grande. É demasiado grande porque, se não tiverem a sorte de conhecerem alguém que lhes dê a mão, vão imitar o comportamento do pai... Porque é o único que conhecem. É um ciclo vicioso. É isso é assustador.

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