O Julgamento de Nós Mesmos

Passamos a vida a julgar aquilo que vemos, aquilo que conhecemos, aquilo que desconhecemos, o que ouvimos, o que não ouvimos, o que amamos, o que odiamos, os defeitos, os feitios, os outros...
A tentação de avaliar aquilo com que nos deparamos parece ser intrínseca ao ser humano. Não estamos bem se não comentarmos algo, seja importante ao não. Estamos constantemente a emitir juízos de valor. 

Se pensarmos em palavras como "julgar", "avaliar", "juízos de valor", aquilo que nos vem à cabeça é sempre negativo. Porém, eu também gosto de pensar nestas palavras como algo de positivo. Até porque, acredito que seria muito proveitoso se nos julgássemos a nós próprios da mesma maneira que julgamos o outro. Avaliar quem somos, as nossas atitudes, aquilo que fazemos no nosso dia, deveria, também, fazer parte do ser humano.

No entanto, é com alguma tristeza que vejo como por vezes usamos a nossa racionalidade da pior forma possível. Somos capazes de apontar o dedo a um pai que não consegue ter qualquer poder sobre o seu filho, por exemplo nas célebres cenas de supermercado em que as crianças esperneiam no chão sob o olhar horrorizado dos progenitores, mas somos os primeiros a fazer as vontades às nossas próprias crianças. Gozamos com a roupa modesta da rapariga do café, mas somos os primeiros a ficar enraivecidos quando alguém repara que os nossos sapatos são do ano passado. Somos os primeiros a bater com a mão no peito, gritando a nossa virtuosidade e honestidade aos quatros cantos de mundo para que nos ouçam bem e saibam como somos verdadeiros. No entanto, no nosso trabalho, não conseguimos resistir e temos de contar que a Joana esteve a fazer horas na noite passada e ninguém sabe porquê.

O Homem é um ser cheio de contradições. São poucos aqueles que conseguem definir uma linha de conduta, de arquitectarem o seu próprio comportamento a adoptar na vida. E apenas seguir esse plano. São poucas as pessoas verdadeiramente rectas que existem no nosso mundo. Como podemos querer uma sociedade mais justa se nós próprios não o conseguimos ser? Como podemos ter uma sociedade sem corrupção se cada um de nós não sabe o que são princípios éticos? Se não conhece o errado e o certo da conduta humana?

Quanto a esta questão do certo e do errado quero aqui deixar claro que sei bem que nem tudo na vida pode ser visto com essa clareza. Aquilo que pode ser certo para mim pode não o ser para outra pessoa. No entanto, será que a visão das coisas é assim tão dúbia e altera de pessoa para pessoa se falarmos de coisas básicas com a honestidade, a dignidade, o amor, a liberdade... A própria vida.

Porque é que estamos constantemente a passar por cima de tudo isto? Inevitavelmente, uma atitude leva a outra. Por exemplo, se eu amar verdadeiramente alguém, dar-lhe-ei liberdade. Se eu for verdadeiramente honesta, saberei admitir os meus erros, admitir a minha culpa. Por outro lado, se o meu egoísmo se sobrepuser ao amor que sinto por alguém, a liberdade nunca será total. Tanto a minha como a do outro. É como se o meu egoísmo se tornasse numa amarra para nós dois e que nunca nos vai separar. Reparem: é o egoísmo que será a base da nossa vida. Não o amor.
Se for débil e arranjar subterfúgios e desculpas esfarrapadas pelos meus erros, que eu não quero admitir, então nunca serei honesta. Nem comigo, nem com os outros. São comportamentos que se perpetuam.

Tristemente, parece que são sempre os sentimentos negativos e as fraquezas humanas que se prolongam no tempo e que são mais visíveis na vida. Aquilo que de bom também existe no homem parece não sobressair e, por vezes, é tão difícil de encontrar. 

É mais fácil continuarmos a julgar os outros ao invés de nos julgarmos a nós mesmos, porque se o fizéssemos o mais provável é que não gostássemos muito daquilo que iríamos encontrar. Por isso, é melhor continuar assim.

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