O Pó do Inconsciente

Sentada naquele muro foi como se tudo aquilo que tinha vivido estivesse ao meu redor. O pó que levantava consoante as pedras que iam caindo era como uma nuvem que me cercava e que me fazia entender o quão sozinha estava. Apenas os meus pensamentos me acompanhavam. O barulho... o barulho ensurdecedor de toda aquela destruição e eu ali fiquei. A assistir a tudo. Parada. Como se estivesse pregada àquele conjunto de cimento. Embora eu conseguisse ouvir tudo o que se passava, os gritos. a destruição, as paredes a cair, embora eu conseguisse ver para além do pó que me cercava, as pessoas a correr, sangue no chão, alguém a pedir ajuda, eu não me movia. Foi como se o tempo tivesse parado naquele momento e a minha inércia fizesse com que esperasse a morte lentamente.

Não valia a pena fugir. Tudo estava traçado desde o início. O fim era agora. Bastava esperar. Mas o acto de esperar não nos impede de ter a mente a trabalhar. E aí, todas as imagens daquilo que tinha vivido passavam por mim. As coisas boas, mas também as coisas más. Os momentos felizes, mas também o imenso sofrimento. Os rostos de quem amei, e os rostos a quem odiei. Os arrependimentos e as mágoas, tudo o que fiz certo e as boas sensações. Tudo o que tinha sido: o bom e o mau.

Afinal de contas cada um de nós é uma mistura de tudo isto. Não venham os puristas bater com a mão
no peito a proclamarem o quanto são bons e virtuosos. Que não têm defeitos. Não! Não admito que me digam isso! Muito menos agora que espero pelo suspiro final. Não há ninguém puro. O ser humano não deixa de ser um animal que muitas vezes não reprime os seus instintos que, em demasiadas ocasiões, são perversos e irracionais. Se assim não fosse, como se explicam as mortes, as guerras, o ataque à dignidade humana, o abuso constante ao qual nos sujeitamos, o sofrimento que causamos, o filho da puta do egoísmo. Saiam daqui, seus vermes disfarçados de gente, que nos vêm reprimir e punir por não sermos iguais a vós. Saiam e aceitem este fim, como eu estou a aceitar!

Agora o pó toldou-me por completo a vista. Já não consigo ver nada. Apenas oiço sirenes, os gritos, os choros. Fecho os olhos. Não posso crer que esta vai ser a última imagem que vou ter diante de mim antes de me ir. Não! Não... não... Quero lembrar-me daquele último momento em que fui feliz... Por favor. Quero. Lembra-te, por favor... Afasta de ti estas imagens sujas daqueles que não merecem e que destroem tudo aquilo que há de belo. Lembra-te... Lembra-te daquele último momento em que foste feliz...

Sim, começo a reconhecer aquela luz. Uma luz que iluminava todo aquele espaço. As grandes janelas do café eram como dois olhos abertos para tudo aquilo que estava à volta daquele espaço e que recebia toda a luz que o sol dava. Os risos preenchiam aquela sala. Mais uma conversa sobre o banal... Sobre uma parvoíce que se tinha tornado viral e que todos conhecíamos. Como nos ríamos... Sabia que voltaríamos a estar juntos para além daquela tarde, mas, por alguma razão, já estava com aquele sentimento de que aquele exacto momento era precioso. Voltei a concentrar-me na conversa daqueles meus amigos que, agora, já falavam sobre um filme que tinham adorado... Uma comédia. Combinámos que o iríamos voltar a ver em casa de um deles. 

Nunca o chegámos a fazer. 

Abri os olhos, porém, já nada via. Senti uma forte e pesada dor na minha cabeça. 
Tudo preto.

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Joana dava um salto abrupto. A mão no peito e o suor que lhe escorria pela cara. Não conseguia gritar, apenas abria e fechava os olhos. Assim que colocou as mãos de cada lado no seu colchão para se levantar teve a certeza de que estava na sua cama. Acendeu a luz e respirou fundo vezes sem conta. Tudo estava como tinha deixado antes de se deitar. 

"Um pesadelo...", pensou.

Olhou para o relógio que estava na sua mesinha de cabeceira: 5h da manhã. Deixou-se ficar sentada na cama, enquanto voltava a estar mais calma. Ajeitou o cabelo, levantou-se e foi até à cozinha beber um copo de água. Tudo não tinha passado de mais um terrível sonho. Já não era a primeira vez que estes a atormentavam. 

Depois de beber água, voltou para a sua cama. Apagou a luz e ficou na companhia do escuro, sem sono, com os olhos bem abertos. Ela sabia que não iria voltar a adormecer. Suportar outra vez os pesadelos teria de ficar para uma outra noite. 

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