Sem Papas na Língua

Se há coisa que me agrada é andar pelas ruas e tudo fica ainda melhor se ouvir conversas caricatas entre as pessoas. Estes são pelo menos dois dos motivos que me fazem detestar (ainda mais ) conduzir. É verdade... Como se já não bastasse a minha forma desajeitada e falta de aptidão para comandar um veículo e a falta de paciência para com todos os outros que andam na estrada, andar de carro todos os dias roubou-me a possibilidade de assistir a episódios que me marcam de alguma forma. Ou por me deixarem sem palavras, ou bem disposta. Enfim... No mundo das ruas e dos transportes públicos (é justo não esquecê-los) tudo é possível de acontecer.

Hoje pensei que seria bom estacionar o carro  na minha rua e fazer algumas coisas no centro da cidade a pé. Cheguei a casa ao final da tarde, parei aquela coisa a que o comum dos mortais chamo carro (e adora!), e dei corda aos sapatos. 

A meio do caminho dou conta de três pessoas a conversar à beira da estrada. Para quem estava a vê-los ao longe, como eu, parecia uma daquelas reuniões de vizinhos, que se encontram na rua e que cumprimentam, perguntando se está tudo bem com a família, com a casa e o cão. O habitual... No entanto, assim que me aproximo, noto que as palavras que uma das senhoras profere para o senhor não são muito agradáveis: "Não fala porque não quer. Passa por mim todos os dias e nem é capaz de me dizer nada!"

Fiquei a pensar que se calhar ela estava a contar uma história, mas percebi que o homem tentou responder entre os dentes, como que a desculpar-se. Embora, verdade seja dita, eu não tenha conseguido descortinar nada do que ele tinha dito. Abanei a cabeça e esbocei um sorriso.

Passados quinze minutos, regressava a casa e passei na mesma rua. Qual não é a minha surpresa, quando identifico exactamente as mesmas três pessoas, precisamente no mesmo local. Porém, notava-se a milhas que estava ali a ocorrer algo de estranho. Tensão. Talvez seja uma boa palavra para identificar aquele ambiente. Continuei com o meu passo e já perto deles oiço a mesma mulher, que estava a falar com o homem ainda há bocado, agora a dirigir-se directamente à outra mulher: "Estou a olhar para a tua cara e digo-te que és uma grande mentirosa!!!". A outra nada disse. Ficou apenas com os olhos arregalados, sem proferir um mínimo som.

Confesso que a minha primeira reacção foi rir. Por várias razões, mas principalmente por esta: a capacidade daquela mulher de desancar aquelas duas pessoas, no meio da rua, num to
m de voz médio, sem mostrar qualquer nervosismo! BAM!!!! Só me apetecia parar, voltar atrás e fazer uma vénia àquela senhora!

E pensei para os meus botões: aquilo sim. Aquilo é maneira de estar na vida. Sem papas na língua, directa e objectivamente, olhando para o outro e dizer tudo aquilo que se pensa, sem meias palavras, sem floreados. Nú e cru. Não seria extremamente saudável que todos nós tivéssemos essa capacidade? Para aqueles que engolem tantas coisas ao longo dos dias, não seria libertador ter a oportunidade para ser assim, directa, pelo menos uma vez na vida?

Tenho a certeza de que grande parte das pessoas tem a vontade de "deitar tudo cá para fora" mas que, por razões de várias ordens, não o podem ou não o conseguem fazer. Deveria existir uma espécie de comprimido que os fizesse falar e dizer tudo o que têm atravessado a pessoas que o merecem. 

A esta senhora que eu hoje presenciei na rua a expressar aquilo que realmente pensa, uma salva de palmas. Tem todo o meu respeito!

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