Não te Vou Deixar Ir

"Ele quer ajudar-me... Eu sei... Ou melhor, eu sinto isso. Mas eu não consigo suportar aquele olhar que ele tem. Um olhar de desespero, de desesperança, de incógnita... Um olhar de quem não sabe o que vai fazer. Eu preciso libertá-lo de estar comigo. Como lhe posso explicar aquilo que não tem explicação. E a dor... A dor que ele transporta. Não. Tenho de sair daqui".

Ana levantou-se da cama e, sem produzir qualquer ruído, saiu do quarto. Olhou em redor para a sala. No meio do escuro da noite, só a luz da rua iluminava aquela divisão. Vestiu o casaco, deixado ao acaso em cima do sofá, pegou nas chaves, que moravam perto da porta de casa, e saiu. Saiu sem destino.
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"Onde é que ela estará... O que raio se passa? Porque é que ela não fala comigo... O que devo fazer? O que foi feito daquela mulher que eu conheci... Aquela mulher com um sorriso que eu nunca tinha visto. Aquele olhar doce que me conseguia acalmar em qualquer situação. Onde... Onde está ela, meu Deus?"

As questões assombravam-no, principalmente, porque não tinha qualquer resposta
para elas. Não tinha soluções imediatas, não tinha a mais pequena ideia do que podia fazer. Estava de mãos e pés atados. E isso deixava-o petrificado. Pedro não era um homem que se deixava ficar sem nenhum plano de acção ou de orientação. Nada do que se tinha passado durante os anos que estava com Ana o tinha deixado assim: obrigado a não se mexer, porque ela não o permitia.

"Ela não mo permite... Estarei a insistir demasiado? Mas onde é que ela estará?". Pedro olhou para o relógio na sua mesinha de cabeceira e percebeu que Ana tinha saído há cerca de três horas. Eram sete da manhã e, desde que ela se tinha levantado, que ele não pregara olho. Ele sabia bem que ela tinha saído, porém, ao contrário do que tinha feito nos últimos tempos, ele tinha fingido que não ouvira. Quis dar-lhe espaço, sem sequer perguntar onde ela estaria. Durante todo o tempo em que estivera acordado, Pedro ainda não tinha encontrado uma justificação que o levara a agir daquela forma. Não conseguia descortinar porque é que a tinha deixado ir, sem qualquer questão. No entanto, a verdade, é que o tinha feito.

Pedro estava cansado de estar deitado. Já não tinha qualquer posição para estar na cama. Decidiu levantar-se. Em pouco tempo tomara banho, vestira-se e comera o pequeno-almoço. Dirigiu-se novamente para o quarto e sentou-se na cama. Deitou-se e olhou para o tecto. Virando a cara para o lado e notando cada vez mais o espaço vazio do seu lado sentiu-se indefeso, incompleto, completamente no escuro. Impotente perante aquela prisão em que Ana se tinha colocado. Incapaz de romper com as amarras que a rodeavam. 

Levantou-se e dirigiu-se à janela. E aquilo que viu apenas o fez observar o óbvio. Ele amava-a. Sempre a tinha amado. Ele só o tinha de demonstrar. Talvez sem perguntas, sem frases de preocupação, pensamentos incertos. Talvez sem palavras.

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O cansaço nas pernas levou-a a parar. Ela tinha de parar. As quatro horas em que tinha estado às voltas no quarteirão faziam-se notar. Ana percorreu todas as ruas perto da sua. Encostou-se algumas vezes, e ainda correu. Nunca saiu de muito perto de sua casa. Não se queria afastar em demasia. 

Sentou-se num dos bancos do jardim que ficava mesmo em frente ao prédio onde morava. Aquela sensação de não saber onde queria estar, de não saber onde pertencia, de estar sozinha. O facto de estar com Pedro e mesmo assim se sentir abandonada dava cabo de si. Como é que ela se poderia sentir assim, se ele a amava? Sim, porque ela dava a sua vida por essa certeza, ele amava-a. 

Porém, sentir-se abandonada pelos outros, desiludida com quem lhe era mais próximo, com aqueles que a acompanharam durante a vida, sentir que eles escorregavam pelas suas mãos e ela não tinha qualquer reacção para os agarrar... Mas seria que ela os queria agarrar depois de tudo aquilo que tinha acontecido?

A imensa solidão que sempre sentira era agora pior e seria justo da parte dela fazer com que Pedro estivesse no meio daquilo tudo? No meio da sua vida disfuncional e depressiva? O que o levava a gostar dela, ela não sabia. Para ela, isso era um completo mistério, desde o dia em que tinham começado a namorar. Todos trazemos bagagem, mas a dela era pesada, demasiado pesada. E tudo parecia piorar.

"Não é justo fazer o Pedro passar por tudo isto... Se ele não estiver é o melhor. Ele tem de sair da minha vida". Deslizou no banco e encostou a sua nuca. Fechou os olhos. E chorou.

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Sem saber qual poderia ser a reacção dela, ele apenas tinha uma certeza: ele tinha de estar presente. Saiu do prédio, atravessou a estrada e estava no jardim. Pedro viu-a. Ana estava ali. Estava bem. A luz batia-lhe no rosto, realçando a brancura da sua pele delicada. Parecia uma visão. Pedro teve a tentação de chegar perto dela e preenchê-la de perguntas, de saber por onde ela tinha andando, o que é que ela tinha pensado, se tinha chegado a alguma conclusão, de onde, afinal, vinha toda aquela solidão... No fim de contas, ele só queria saber o que é que podia fazer para ajudá-la.

Pedro fechou os olhos por um momento. "Não. Desta vez vai ser diferente." Respirou fundo e olhou em frente. Ela ali continuava, na mesma posição, com uma mão no peito, como se quisesse ter a certeza de que o seu coração continuava a bater. Era real, não era nenhuma visão. Ela estava ali.

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A passos largos, mas de forma calma dirigiu-se àquele banco. Sentou-se ao seu lado. Ana sentiu a presença de alguém. Rapidamente, endireitou-se no banco, e olhou em frente. Ele. Era Pedro que ali estava. Não era preciso virar a cara para perceber que era ele. Ana conhecia-lhe a forma do corpo, a sua forma de se sentar, o seu cheiro. Esperava que ele a bombardeasse com perguntas. E assim ficou, à espera. 

Mas, nada. 
Ele nada disse e ela tão pouco.
"Estará ele bem? Fartou-se. É agora." Ana respirou fundo e virou a cara.

Pedro olhava para ela. Estava nitidamente à espera de algum movimento da parte de Ana e, dando-se conta de que, finalmente, ela o fizera, apenas deixou cair os seus olhos nos dela. Num gesto lento, agarrou a mão de Ana, que ainda permanecia no seu peito, e pouso-a na sua perna. Fazia tempo que Pedro não sentia o calor de Ana e aquele simples gesto aqueceu-lhe o coração. Apertou-lhe a mão para lhe dar a certeza de que não iria a lado nenhum. Que ele iria ficar ali com ela o te
mpo que fosse necessário. Sem proferir qualquer palavra. Pedro apenas queria ali estar, para lhe mostrar que não a deixaria ir. Que estaria ali. Sempre.

Sentindo o calor da mão e da perna de Pedro, Ana não resistiu. Deixou cair a cabeça no ombro de Pedro e fechou os olhos, apertando a sua mão com força, como que sabendo o que ele lhe queria dizer: ele não a ia deixar ir. Pedro ia ficar com ela, da mesma forma que iria permanecer ali, sentado com ela, o tempo que fosse necessário. 

Do que é que ela andava à procura? Ele está ali. O amor está ali. O amor de Pedro está com ela, e o dela está com ele.  A sua força iria fazer com que ela conseguisse seguir em frente: amanhã ou depois. Agora, com aquele silêncio que significava muito mais do que palavras, Ana sabia que ele estaria com ela a ultrapassar tudo aquilo que a magoava. E isso bastava.

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NOTA: Escrevi este texto porque acredito que todos nós deveríamos ter a bênção e a oportunidade de estar com alguém que "não nos deixe ir", mesmo sabendo que isso é uma regalia que apenas calha a alguns. 

Para criar esta pequena narrativa baseei-me na canção "I Won't Let You Go" de James Morrison e, também, no vídeo da mesma, que podem aqui ver e ouvir. 









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