O Sonho de Maria

Mais um dia que terminava. Maria estava cansada como acontecia habitualmente num dia de trabalho. A desmotivação e a frustração eram cada vez maiores e não tinha mais ninguém que culpar senão a ela própria, pelas opções que tinha tomado ao longo da sua vida, factores que tinham determinado, também, a sua solidão. Mesmo estando esgotada, ela não queria por os pés em casa. Aí sabia que não ia descansar completamente. Não só pelo facto de ter pessoas em casa, mas também porque não conseguia ultrapassar os problemas que por ela tinham sido criados ao longo dos anos, sem contar com aquilo ao qual a tinham submetido. Motivos mais do que suficientes para se ter tornado naquela pessoa. 

Ela precisava de descansar, verdadeiramente. No entanto, Maria sabia que o tempo de repouso mental já não voltava mais e que tinha de ter forças para suportar um dia de cada vez, sem pensar muito no futuro, porque, por mais que ela projectasse metas, esses objectivos nunca eram cumpridos, seja por falta de vontade, ou pelas próprias circunstâncias da vida que tornavam esses mesmos objectivos impossíveis de concretizar.

Neste final do dia Maria apenas sabia que não queria ir para casa. Que queria estar sozinha nem que fosse por um momento. No caminho de regresso do trabalho, decidiu sentar-se no muro de um jardim que ficava no centro da cidade. Já era de noite e, para sua sorte, a chuva tinha parado há algum tempo o que fazia com que fosse possível sentar-se e sentir o vento frio a bater na sua face. Aconchegou ainda mais o cachecol ao pescoço e fechou os olhos por um momento e imaginou. Maria gostava de pensar que tinha tido uma outra vida antes da actual. E, neste instante, ela imaginou...


                          "Estava em Itália, no início do século XX. No centro de Roma. Fazia sol e o azul do céu dava-lhe uma outra inspiração para os seus quadros. Embora o modernismo na pintura estivesse em expansão noutros países europeus, ela continuava a defender o classicismo.  Antes de ir para a sua casa, onde tinha o seu atelier, encontrou um amigo de longa de data com o qual esteve um tempo indeterminado à conversa. Mesmo assim, ela sabia que o marido ainda não tinha chegado da Universidade, onde dava aulas de Direito. Decidiu fazer-lhe uma surpresa e oferecer-lhe o retrato que lhe tinha feito às escondidas.


Chegou a casa, colocou um vestido bonito, vermelho, e arranjou o cabelo. Embrulhou o quadro e colocou-o em cima da cama de ambos. Agora era aguardar que ele chegasse... 

E não foi preciso esperar muito para que isso acontecesse. Francesco chegava a casa e chamou por ela, que lhe respondeu prontamente que estava no quarto. Ele ficou admirado por não encontrar a mulher a pintar no seu pequeno atelier, tal como acontecia quase todos os dias que regressava das aulas. Subiu as escadas e assim que entrou no quarto viu aquele embrulho enorme em cima da cama, que tinha um bilhete, no qual estava escrito "Para Francesco, com amor". Ele ficou surpreendido e perguntou à mulher quem tinha deixado ali aquilo. Ela entrou no quarto e na ombreira da porta respondeu sorrateiramente: "fui eu. Abre!". 

Os olhos azuis fixaram-se nos seus. Ele esboçou um enorme sorriso, pelo qual ela se tinha apaixonado há muito tempo. Ela voltou a insistir e Francesco correu para abrir o embrulho castanho. Quando viu o seu próprio retrato assinado pela mulher que amava ficou sem palavras. Correu para os braços dela e assim ficaram."


Uma pinga grossa caía no nariz de Maria, fazendo com que ela abrisse os olhos repentinamente. No entanto, as gotas começaram a cair cada vez com mais força e em maior quantidade. Sabendo que ia começar a chover "a sério", saiu a correr para debaixo da varanda do prédio mais próximo. Viu as horas num placar electrónico e percebeu que estava demasiado atrasada. Já lhe iriam ser feitas demasiadas perguntas. Maria resignou-se à chuva e acelerou o passo. O sonho tinha, definitivamente, terminado.

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