A partilha de um momento inesperado
Este texto fez parte do concurso literário com o tema "Partilha" da Rádio Universitária do Algarve. Só foram conhecidos o primeiro e segundo lugares, dos quais este conto não faz parte. Mas foi óptimo participar!
Uma confusão que parece tomar-nos por completo. Não nos conseguimos virar para nenhum lado onde não haja um problema. Um problema que, mais uma vez, acaba por nos cair em cima das costas. Essas que estão já tão sobrecarregadas. Surpreendentemente, conseguem sempre arranjar espaço para servirem de poiso a mais uma complicação. As olheiras são enormes, o nosso cabelo despenteado denota o nosso cansaço, sentimos falta de ouvir o nosso próprio riso.
Caminho apressada com vontade de não chegar tarde a mais um compromisso. Estou focada no local onde tenho de estar e apenas oiço a batida dos saltos dos meus sapatos no passeio. Num ímpeto uma voz desvia a minha atenção: “Joana!”
Quase que me assustei. Rodei o rosto rapidamente e dou de caras com o Paulo. Ele era a última pessoa que pensava poder encontrar ali. Ainda sem saber bem o que dizer, apenas me sai um simples “olá”. Ele veio na minha direcção, abriu os braços e abraçou-me. O meu primeiro instinto foi fechar os olhos. Também o abracei. Confesso que não sei quantificar o tempo que estivemos assim, enquanto ele se ria e balbuciava algumas palavras. Não consigo decifrar ao certo o que era, porque, naquele momento, fiquem sem capacidade para prestar atenção às palavras que ele proferia e tentar dar-lhes um significado. Aquele abraço era tudo. Até posso dizer que ali descansei. Descansei verdadeiramente. Paulo ergueu-se, colocou as suas mãos nos meus ombros e olhou para mim.
- Há quanto tempo!
- É verdade – respondi num meio de um sorriso e a disfarçar uma lágrima que
teimava em aparecer.
- O que é feito de ti?
- Nem eu sei bem… E tu?
Paulo ficou parado a olhar para mim. Um olhar daqueles que parecem despir-nos por completo, sem nos deixarem nenhuma protecção.
- Porque não vamos tomar um café?
Se fosse numa outra ocasião, num encontro com uma daquelas pessoas aborrecidas, tinha saído dali a correr para a minha reunião. Mas aquela não era uma situação normal. Naquele simples abraço tinha encontrado um lugar onde podia repousar. Precisava daquilo. Daquele conforto, daquela partilha de sentimentos mais forte do que qualquer palavra. Convictamente respondi-lhe:
- Sim!
Paulo abraçou-me novamente e assim fomos até ao café mais próximo. Perdemo-nos na conversa, sabe-se lá por quantas horas. Enquanto ali estivemos sentados, pusemos em cima da mesa as novidades e as memórias da nossa infância, os amores e desamores, o trabalho e os passatempos, os nossos anseios e as nossas frustrações, as nossas paixões e as nossas desilusões. Tudo ficou ali. Entre nós.
Desde esse dia que não vejo o Paulo. Faz hoje precisamente cinco anos. Agora, aqui, na solidão do meu escritório, sinto saudades daquela troca desinteressada, da verdadeira partilha entre duas pessoas que têm uma forte amizade que os une. A verdade é que por mais anos que passem essa relação genuína e pura nunca se esquece.
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NOTA: Dedico este conto a todos aqueles que considero amigos, família incluída, é claro! Apesar desta história ser ficção é assim que muitas vezes me fazem sentir... Simplesmente com um enorme bem-estar e harmonia. Obrigada.
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