Uma Memória de Sassetti no Largo S. Carlos

Estava uma noite quente, temperatura nocturna típica do Verão. O Largo de São Carlos estava cheio de gente. Foi difícil encontrar um local onde eu e mais dois bons amigos conseguíssemos ver alguma coisa. Ficamos numa das laterais, bem perto onde o génio se iria sentar. Era a primeira vez que estava no Festival ao Largo, era a primeira vez que ia ver o pianista Bernardo Sassetti a actuar e era, também, a primeira vez que ia assistir a um espectáculo da Companhia Nacional de Bailado. "Uma Coisa Em Forma de Assim" era o seu nome e não foi preciso esperar muito para que tudo estivesse pronto.

No seu fato cinzento e com uma longa encharpe, Bernardo Sassetti entrava em palco. Com um ar descontraído, um cenário que se completava com o seu imenso cabelo grisalho. Apesar de termos ficado numa das laterais do largo, o nosso lugar foi, precisamente, do lado do pianista. Assim que se senta ao piano, Sassetti concentra-se. Não é difícil perceber isso. Basta apenas olhar para a sua expressão. E assim que começa a tocar, um silêncio profundo no Largo S. Carlos. É o enorme respeito que qualquer público pode mostrar a um músico. Apenas se ouvem as suas notas e os bailarinos entram em cena. Uma ideia fantástica, pensei. Recordo-me que alguns temas deixara-me com pele de galinha.

Naquela hora de espectáculo percebo que ouvir e ver Bernardo Sassetti é, para mim, uma coisa do outro mundo. A relação pessoal que ele estabelece com o piano é arrepiante. Ao mesmo tempo que toca ele vive e transporta vários sentimentos. Uma actuação que nos deixa sempre a tentar descobrir o que é que eles nos quer transmitir. 

Existem músicos que querem deixar uma mensagem.
Existem músicos que apenas transmitem o que sentem.
Existem músicos que tocam para eles próprios.
E por fim, e, esses são, para mim, os grandes músicos, existem aqueles que ao colocar em composições aquilo que sentem, essas músicas, tocam quem os ouve e, a cada um, deixa uma mensagem e uma marca pessoal. Tanto que, adoptamos essa canção como nossa. Bernardo Sassetti é assim. Através do seu génio criativo consegue chegar ao íntimo de cada um de nós e aí permanece. Para sempre.
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Foi com grande estupefacção que ontem percebi que Bernardo Sassetti tinha morrido. Nem vou falar sobre a causa, que a mim, parece-me absurda, mas ele é um dos melhores pianistas de sempre. Um homem que deve continuar a ser recordado pelo seu imenso talento e por aquilo que fez pelo jazz em Portugal. 

Como alguém disse, o homem desaparece, mas a obra fica. Mas, para mim, o homem fica para sempre, porque a obra e o homem são indissociáveis. Até sempre.


Comentários

  1. Uma grande perda para o mundo da música... até sempre Sassetti, até sempre!

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  2. Estava agora a ver uma reportagem sobre a morte do Bernardo Sassetti e continuo sem conseguir acreditar. Damn it! Cada vez mais tenho a sensação de que os génios desaparecem cedo...

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  3. E o que seria se o génio permanecesse entre nós, e os feitos que poderia alcançar?
    Seria possível ser-se ainda maior, ainda mais genial, ainda mais Sassetti?

    ***

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