Conversas com um hipotético Jornalista

"A redacção está cheia. Há papéis a voar sobre as cabeças de quem trabalha. Phones nos ouvidos de quem tenta descortinar uma palavra dita por um político numa grande entrevista. Olhos especados num computador, a caneta na mão escreve informações importantes sobre o desemprego em Portugal. Um grupo de três pessoas está descontraidamente a trocar dois dedos de conversa e a saborear um café a meio da tarde. O editor está ocupado a explicar aos estagiários como deve ser feito o trabalho.

E mesmo no centro da sala, na sua secretária, ali está ele. Tira os óculos. Pousa-os na sua mesa, esfrega os olhos. Mantêm-os fechados durante segundos. Para ele pareceu-lhe uma eternidade. Sem pensar em nada. Volta a abri-los.
Novamente a pergunta: "mas que título ponho eu a isto?!".

A voz do editor chama-o à realidade. Um novo trabalho espera por ele.
Sai de apressadamente, enfia-se no carro e vai até ao local da conferência.
Ouve com atenção.
Tenta ler o que está por detrás do que os outros dizem.
Contrapõe.

É educado.

Relaciona.

Volta a escutar.

Escreve. Preenche as folhas despidas do seu caderno, sabendo que nem sequer vai prestar atenção a metade do que está a escrever. Mesmo assim continua. Concentração.

Volta à redacção.

Sozinho volta a ler. Retorna à escrita. Cria.

Por mais difícil que seja aquilo que vai dizer, quer fazê-lo da melhor maneira que sabe. Discute com ele próprio qual é a melhor expressão, qual é a melhor frase.. Se calhar tem de mudar tudo.
Escolhe palavra a palavra até chegares à frase perfeita, experimenta um ponto final.
Questiona o ponto de interrogação.
Admira-se com o ponto de exclamação.

Ele sabe que os outros vão ler o que escreve. Eles vão julgar as suas escolhas, vão pensar sobre os assuntos. E isto fá-lo querer mais.

Volta a sair.
Conhece outras pessoas (apenas as necessárias), ouve e lê mais.
As questões aparecem e o bom senso é chamado a intervir.
Anda de mala às costas com ideias a fervilhar.

Regressa. Escreve as últimas duas frases. Altera a pontuação e substitui por sinónimos as palavras repetidas. O título é a junção de quatro palavras que lhe vêm à cabeça.

Fim do dia.
Caminha pela cidade à procura daquilo que não se vê.
Persegue o seu caminho em busca de chegar àquilo que mais quer. Não ouve ninguém, ignora os empecilhos, ultrapassa obstáculos, não se contenta com aquilo que tem."

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