Há Muito Tempo Que Não Falamos
As perguntas acumulam-se na minha cabeça e na minha garganta. Juntam-se todas, amontoam-se e não conseguem fazer-se ouvir. "Há muito tempo que não falamos", dizes-me. O silêncio não abre qualquer porta para eu deixar sair o que quer que seja e a única coisa que faço é tornar-me num qualquer boneco mecânico: respondo sim, não, talvez... Enquanto, na minha cabeça, oiço-me a gritar com tudo aquilo que te queria perguntar.
Foi tudo mentira? Foi tudo mentira, a forma como te apresentaste, como me falaste, como me tocaste? Foi tudo mentira? Tu, na realidade, não és essa pessoa quente, mas sim essa frieza que agora transpareces, como se nada te pudesse abalar e que, afinal de contas, nada foste capaz de sentir e tudo aquilo foi mentira. Foi mesmo tudo mentira antes e depois desse "há muito tempo que não falamos"? Não te sei dizer porquê, mas eu sinto, eu sempre senti, porra!, que nunca foi mentira. Eu sempre senti que não eras capaz de me mentir tanto, que tu estiveste comigo, naqueles breves momentos, que tu estiveste comigo, à minha frente, ao meu lado, em mim. Ter-me-ei enganado de tal forma que nada daquilo que eu senti que tu sentiste alguma vez existiu?
Tiveste medo? Porque tiveste medo de me aceitar tal como eu sou? Eu sei, o medo pode ser paralisante. Olha para mim: talvez seja o medo que me impeça de te dizer tudo isto de forma sincera, aberta e sem acusações. Perguntar-te-ia tudo isto se o medo e a surpresa me deixassem, porque eu preciso de sabê-lo. Preciso mesmo de sabê-lo para poder descansar um pouco deste tormento que me assola e que não me deixa em paz. Nunca deixou desde esse "há tanto tempo que não falamos". Podes ser sincero comigo e responderes-me? Tiveste medo? Não há mal nenhum em ter medo. Houve uma altura, em que as coisas eram boas e eu vivia com medo de que tudo acabasse. Agora, talvez por as coisas não serem boas, eu já não tenho tanto esse medo. Mas, diz-me, por favor: tiveste medo? Se sim, tiveste medo de quê? Sempre me considerei inofensiva e, na realidade, é o que eu sou. Não te faria mal. Terias medo de que te fizesse demasiado bem?
Tens medo de te mostrares? Tens medo da tua vulnerabilidade? Eu tenho muito por isso é que te menti. Estranhamente, foi isso que me trouxe aqui. À angústia profunda da tristeza dos dias que passam devagar e onde eu estou sempre no mesmo lugar. Nesse lugar desse "há muito tempo que não falamos". Talvez não te tenha mostrado uma coisa de mim, mas eu sou capaz de compreender tudo desde que me o expliquem. Só preciso que me expliquem com verdade e algum cuidado e eu serei capaz de compreender tudo, sem acusações, nem gritos, nem discussões. Podes mostrar-me como realmente és? Eu sei que ninguém gosta de se sentir vulnerável, eu detesto, mas, por vezes, é o melhor que se tem a fazer para evitar o sofrimento contínuo. Recordo-te que tu, talvez, me tenhas visto na situação mais vulnerável em que alguma vez tive. E, por mais que eu tente, não consigo apagar o teu olhar desiludido na minha direção. Se fores vulnerável comigo, eu não o farei. Nem o medo me vai permitir olhar-te dessa maneira.
Arrependeste-te porque sentias menos do que aquilo que me demonstravas e tiveste de saltar fora rapidamente para não te deixar qualquer vestígio? Ou arrependeste-te porque sentias mais do que aquilo que me demonstravas e tiveste de saltar fora porque a vida não te permitiria viver isto? Obriguei-me a acreditar sempre na primeira hipótese. Era aquela que tinha à mão e da qual tinha evidências factuais, foste embora e deixaste-me o teu peso em cima. Mas, não era a primeira hipótese que eu sentia. Eu sentia que tu te tinhas arrependido porque tu próprio querias mais, mas tiveste medo de o explorar. Foi assim? Não sabes como seria um alívio para mim poder saber isto. Tenho esta dúvida que me assola desde esse "há muito tempo que não falamos".
A carga do que aconteceu ficou toda comigo. Fiquei com todo esse peso nas costas, na cabeça, nas mãos, no coração, em cada parte do meu corpo. Tu livraste-te de tudo, deixando-o comigo. Eu quis suportar tudo sozinha, é essa a minha primeira vontade. Por isso, as perguntas não me saem. Porque eu quero continuar a permitir que sigas a tua vida lá longe, com a tua família, de forma leve e sem que tenhas qualquer peso. Eu quis muito fazer isso por ti. Desde esse "há muito tempo que não falamos" que assim é. Porém, na realidade, talvez tenha eu chegado ao meu limite de dor, de culpa e de angústia.
Se me desejas o melhor como me acabaste de dizer, não te podes permitir a deixar essa tua carga comigo. Não entendes tu que preciso da tua verdade para que possa partilhar este teu fardo com que me deixaste? Só assim eu própria te poderei deixar. Por favor, da próxima vez que conversarmos, permite-te à tua vulnerabilidade e aceita esta história. Só assim saberei que, realmente, me desejas melhor. A tua contínua fuga apenas me mostra o teu desprezo por mim. Ou, realmente, volto ao princípio: nunca me quiseste como eu te quis. Se assim é, só o tens de me dizer. Só tens de libertar essas palavras e dizê-las para eu ouvir. Isso matar-me-ia se eu não estivesse já morta.
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