A Chave do Meu Baú

Primeiro, as peças estavam espalhadas.

Eu não as conhecia a todas, por isso pensava até que não se encaixavam em mim. Eram muito diferentes do esquema que tinha no meu coração.

E, no fim de contas, algumas das tuas peças estavam escondidas. Por ti.

Quando quiseste ver se as tuas peças combinavam com o meu esquema, que também eu tinha guardado, bem guardado, eu não te parei. Estava tudo bem. Eu tinha a certeza de que nada iria combinar. Talvez, as tuas peças fossem muito grandes para o meu esquema ou então as suas formas nunca poderiam encaixar, sendo elas quadradas, por exemplo. 

Então, abri um pouco o baú que tinha o meu esquema bem guardadinho. Mas, foi mesmo só um bocadinho. Eu tinha a certeza de que tudo aquilo seria inútil. E até achava graça a toda aquela situação inusitada. Que interesse podias ter em querer ver o meu esquema? Nenhum! As nossas diferenças estavam todas bem vincadas.

O que eu não contava era considerar-te tão cativante por quereres olhar um pouco para o meu desenho. Foste mesmo cativante. Mais ainda quando lançaste a tua primeira peça.

Ah.

Como?

O que aconteceu?

Assustei-me. Pela primeira vez, uma peça cabia no meu esquema. Assustei-me tanto. Não sabia bem o que estava a acontecer. Era uma novidade. 

Logo de seguida veio outra. Outra peça tua que encaixava perfeitamente no meu esquema há tanto escondido e nunca antes visto por ninguém. 

O que estava a acontecer?

E depois mais outra, outra e outra...

Era o teu sorriso, o teu olhar, o teu toque, a tua distância, a tua ousadia, a tua falta, a tua música, o teu mistério.

Hum...

Como foi... A peça do teu mistério coube perfeitamente naquele espacinho vazio que restava do meu esquema.

Meu Deus. Isto existia? E... comigo? Como tinha sonhado com algo assim!

Era agora.

Agora, com o meu esquema preenchido, bonito, com as tuas peças a reluzir no encaixe do meu peito é que eu... É que eu iria conseguir respirar e permanecer nesta estranha e inquietante... Harmonia.

Que tremendo que foi sentir aquela tua inquietante harmonia!

Engraçado que nunca pensei, onde estava a razão neste momento!, que tudo aquilo pudesse ser um sonho. Para mim, era real. Era a minha realidade. Finalmente, eu estava a viver a minha história, agora, completa com as tuas peças.

Mas, de repente, como quando se acorda de um sonho (sempre o sonho!), o meu desenho caiu. Assim, à frente do meu baú, agora, completamente escancarado. Creio até que já tinha deitado fora a sua chave.

E agora?

Fui a correr tentar apanhar todas as peças para tentar voltar a encaixá-las, mas...

Ela tornaram-se demasiado grandes, as formas eram diferentes, nenhuma encaixava.

Nenhuma encaixava.

E, agora? 

Como tinha sido possível eu ter sonhado tudo aquilo? Então... e... De um momento para o outro, as peças desapareceram. Já não estavam lá. O meu esquema estava vazio como sempre tinha estado.

Será que... Estão espalhadas? Debaixo do baú?

Tentei procurá-las, mas não as encontrei.

As tuas peças já não estavam e tu também não.

E eu não sei da minha chave do baú!

A primeira coisa que fiz foi depositar o meu esquema, enrolado com um pano quente, de camurça, com todo o meu cuidado, no meu baú. Assim mesmo como se fosse um tesouro. Tinha ficado rasurado com a queda e não queria mesmo estragá-lo mais. Eu não sabia como fechar o baú, mas quis guardá-lo à mesma, onde sempre tinha pertencido. Procurei muito a chave, mas, tal como as tuas peças, também ela tinha desaparecido.

A única coisa que pude fazer para manter o meu esquema em segredo foi encostar a tampa à parte de baixo do baú. Até hoje não a consigo fechar nem encontrar um sentido para este sonho cruel.

Nem nunca mais sequer te vi. É porque foi mesmo um sonho.

O meu sonho foi uma verdadeira crueldade. Tinha bastado que uma das tuas peças não tivesse encaixado no meu esquema para eu acordar mais cedo.

Que pena.

E, agora, como volto a fechar o meu baú?

Ele está assim, aberto. A luz do sol entra pouco, mas a chuva... Ui... Entra muita chuva e vento. O meu esquema está cada vez mais amarrotado, mesmo que ainda tenha o pano de camurça a protegê-lo. Agora, tento sempre ir vendo como ele está, para secá-lo um pouco, mas as suas linhas estão cada vez mais esbatidas. Acho que já me acostumei à ideia de que o vou perder, mas, mesmo assim ainda procuro a chave. Se a encontrasse podia fechar o baú e dessa forma preservar as ténues linhas do esquema do mais profundo do meu coração.

Ai...

Onde estará a chave?

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