Regresso a Casa
Conheço cada uma das suas linhas, a sua curva, a sua textura.
Assim que coloco a minha cabeça sobre si, sei que é aí o meu lugar. É aí onde pertenço, naquela segurança que temos quando sabemos que chegámos à nossa casa.
Fecho os olhos ao mesmo tempo que me concentro apenas no calor que dali emana. O seu calor que me aquece mesmo quando não preciso. Deus sabe como ali é o único local onde volto a sentir o sangue a correr-me nas veias. Onde consigo ver que há algo à minha espera. É ali onde volto a sonhar que tudo é possível. Que afinal nem tudo é mau ou que tudo pode melhorar. Onde acredito que voltei a ser humana.
É ali, no seu peito, onde deposito a minha cabeça que, ao mesmo tempo, deposito toda a minha esperança. A esperança de que amanhã pode ser diferente. E como preciso de acreditar que tudo vai ser diferente.
Sei que ele também não está seguro. A única coisa que o acalma é sentir os fios do meu cabelo nos seus dedos. Começa ao de leve como se tivesse medo de me magoar, mas, depois, enche-se de coragem e o seu toque é mais preciso, é mais demorado. Até que apenas pousa a sua mão na parte de trás da minha cabeça e aí fica. É sempre assim, desde o início que é assim.
Como seria se ficássemos sempre assim? Protegidos de tudo aquilo que nos fere, na ilusão de que nos iríamos bastar até ao fim dos tempos, como aqueles contos infantis que tanto gostamos de ler... Será que foi isso que nos magoou? Equacionarmos que apenas bastava encontrar esse outro para tudo suportar? A vida mostrará que nem todos têm essa hipótese. Quem não a tem, como vive?
Roço a minha face na sua pele e um sentimento de gratitude invade o meu pensamento. Poder estar
aqui longe daquela realidade que sopra lá fora é reconfortante. Mas... Mas e todos aqueles que não têm onde encontrar esse conforto? E todos aqueles que não se podem abraçar no amor de alguém que lhe diz que tudo vai correr bem? E todos aqueles que não partilham com alguém aquilo que vivem, como se tudo fizesse parte de um quotidiano que, na realidade, não existe. E todos aqueles que não têm como acreditar que são amados porque, simplesmente não o sentem? Não é possível acreditar em algo que não se sente. Como se vive com a certeza de que nada há a esperar do futuro?
- O que se passa?
A pergunta não traz consigo um tom preocupado ou de curiosidade. É apenas a sua voz doce que me soa ao ouvido, como se fosse tudo normal. Como se pode viver sem alguém que não desista de nós? Como se pode viver sem alguém de quem não queremos desistir? Tal como ele. Tal como este homem onde deposito a minha cabeça e onde sei que nada de mal me vai acontecer. Nem que seja por uns escassos segundos em que aqui esteja, no casulo do seu abraço.
- Nada - Sussurro. E não digo mais. Ele não fará mais perguntas. Não será preciso, ele entende-me. Como mais ninguém. É no nosso silêncio onde melhor nos entendemos, onde confessamos um ao outro os nossos medos, onde podemos realmente descansar. Como vivem esses que partilham constantemente o silêncio com eles próprios? Como vivem esses que não têm ninguém com quem possam partilhar aquilo que são com todos os seus defeitos e virtudes? Como vivem esses na eterna solidão daquilo que é o ser?
A sua respiração é, agora, mais calma. Um ritmo pausado, mas certo. Ele já está a adormecer. Levanto a minha cabeça e vejo-o já com os olhos fechados. A sua mão ainda na minha nuca e não posso fechar os meus olhos não sem antes lhe dizer:
- Amo-te.
Os seus lábios formam um leve sorriso e eu não sei se ele já estará a sonhar ou se ainda conseguiu ouvir o que lhe disse. Não é a primeira vez que lho digo. Mas senti que hoje tinha de lho dizer, de deixar expresso que sei como tenho sorte em o ter.
Antes que pudesse voltar para o seu peito, a sua mão faz com que fique quieta a olhar para ele.
- Eu sei - diz, meio ensonado. Só depois abre os seus olhos azuis, os quais se pregam em mim. A sua mão passeia da minha nuca até aos meus lábios, deixando pousar ai os seus dedos.
- E eu amo-te - Ele afirma, assim, de forma precisa, acentuando cada uma das palavras naquele seu tom que me acalma até ao ínfimo do meu ser.
- E como é que o sabes? Como é que sabes que eu te amo?
Sinto o seu polegar sobre o meu nariz, antes de a palma da sua mão cair sobre a minha face.
- Estás aqui, estás aqui e não te foste embora... Nem te escondeste.
De repente, as lágrimas enchem os meus olhos. Porquê? Esta sua capacidade de me ler nos mais pequenos gestos, sem me cobrar o que quer que seja.
Passo a minha mão pelo seu rosto, os meus dedos secam as gotas de suor na sua testa, na cana do seu nariz, nos seus lábios.
- Sabes uma coisa? - a minha voz está meio embargada. Mas não me importo - Há dias em quero desaparecer. Assim. De repente, sem ninguém dar conta - Noto como ele está alarmado pelo que eu disse. Mesmo assim, continuo - Mas, depois, sou egoísta. Sou egoísta porque sei que não quero desaparecer, porque... porque eu quero voltar a sentir-te. Sempre.
A sua mão que ainda estava na minha nuca cai na cama e ele fecha os olhos.
- Por favor, não... não me faças isso.
Franzo o sobrolho. Não entendo o que ele me pede. Finalmente, os seus belos olhos voltam a fitar-me - Não desapareças. Eu amo-te. Nada vai mudar isso.
Porquê sempre esta esperança em mim quando eu própria já não a tenho?
- Mesmo querendo, eu não consigo. Tu estás em mim, eu não consigo fugir disso. Eu não consigo fugir de mim própria.
No meio de tudo o que me atormenta, ele é o único que me mostra que nem tudo está perdido. Eu posso não estar perdida. Inclino-me sobre si e beijo-o. Volto a encostar a minha cabeça no seu peito, o único local onde poderia encontrar o sono.
O sono que aparece logo de seguida depois de aproveitarmos o nosso silêncio que fala mais do que todas as palavras que poderiam expressar tudo aquilo que despertamos um no outro.
Comentários
Enviar um comentário