Leva-me Daqui
Admiro-te ao longe.
Quem por ti passa, nem tem a audácia de perceber como és distinto. O teu olhar meio confuso, de criança desconfiada, como se estivesse perdido no mundo, faz com que qualquer um que passe por ti nem se dá conta de como és belo. É esse semblante de quem não sabe o que está a fazer que te torna tão especial.
E único.
Estás com as mãos no bolsos, camisa meio desbotada, olhando de um lado para o outro.
Sorrio. Poderia ficar a olhar-te nesse teu desconforto por estares à espera, como eu sei que detestas estar à espera, todo o dia.
Assim que, finalmente, dou o primeiro passo até ti, tu encontras-me. Finalmente sorris, deixando de lado o sobrolho franzido. Parece que ganhas anos de vida, deixando de mostrar aquela expressão de preocupação. Sinto um pouco de culpa por estares assim. Não deverias estar assim, muito menos por mim.
De repente, aquele medo irracional que sempre me paralisa está de volta. Aquele medo de um dia me tornar um peso. Um peso demasiado grande que ninguém deveria suportar, muito menos tu. O sorriso deixou de adornar a minha face e é como se me estivessem a bater dentro da minha própria cabeça. Outra vez. A dor que me faz deixar de pensar está de volta.
Desvio o meu olhar do teu. Tenho de respirar um pouco e tu sabes como eu fico sem ar de cada vez que me consegues decifrar. E eu sei, eu sei que tu já percebeste tudo. Por milésimos de segundo, a tua expressão mudou novamente, muito embora tenhas tido o discernimento de te esforçares. Logo de seguida, voltas a sorrir para mim.
Finalmente, chego perto de ti. Tenho a certeza de que as perguntas estão na ponta da tua língua. A vontade em me confrontares é latente. E tens todo o direito de me fazeres isso.
Nada digo.
Sustenho a respiração.
Sem poder controlar, sinto as lágrimas que se formam nos meus olhos. Será ali. Ali, no meio da rua, neste sentido tão impessoal, com tanta gente que se move à nossa roda, alheia ao que se passa para além da sua vida e dos seus botões?
Subitamente, sinto os teus dedos na minha mão. Os teus dedos calejados tocam na palma da minha
mão. Aquela pele que me faz sentir de maneira diferente. Como se chegasse onde sempre pertenci, mesmo sem saber. Mesmo querendo lutar contra isso.
Olho para a tua mão na minha e aperto-a. O calor da pele faz com que não possa mais suster aquilo que sinto: o imenso alívio de saber que não me vais deixar só. Como tantas vezes me prometeste.
Ergo a minha a cabeça e olho-te nos olhos. Esse teu azul onde sempre me perdi, mas onde sempre me senti tão segura. Não me preocupo em parar a lágrima que me cai na face. Ela faz parte de mim.
Ela faz parte de ti.
Ela faz parte de nós.
Levas os teus lábios à minha face.
Secas a minha lágrima. Os teus lábios... a textura da tua pele. Tudo é demasiado esmagador. Todo o teu toque é esmagador. Deixo cair a minha cabeça no teu ombro. Aí, deito a minha cabeça, sentido a flanela da tua camisa no meu rosto. E oiço. Oiço cada uma das tuas respirações, com a certeza de que estás aqui. Comigo. Nesta vida incógnita e decadente.
O teu cheiro invade todo o meu corpo, até que me envolves nos teus braços. Sinto a corrente que trazes sempre ao pescoço na minha face. Aperto-te com força, com a esperança de que com o meu abraço saibas o quanto te amo.
- Foi mau? - perguntas-me nessa tua voz rouca e inconfundível. Naquele tom que guardas só para mim, que guardas só para mim quando nem eu sei onde estou. Como agora.
- Terrível - quase que sussurro. Mas eu sei que me ouves. Como sempre, sei que me ouves, sem eu perceber porquê - tenho a minha cabeça a latejar. Desculpa...
A tua barba roça na minha testa.
- Podemos ir embora?
Fecho os meus olhos.
- Leva-me daqui.
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