Eternamente Só

Mais uma vez, ela mexia a cabeça. Primeiro para o lado direito, depois para o lado esquerdo. Mas a dor continuava lá... Aquela maldita dor no pescoço. "Deve ser muscular", pensou ela. Apesar de a dor ser incomodativa, pelo menos era nova... Algo que lhe roubava um pouco da sua atenção e isso até que não era mau de todo. Agora, a dor parecia menos evidente. 
E tudo voltava à sua cabeça.

Muitas vezes ela perguntava-se se existiam mais pessoas como ela. Mas, logo, ela desejava que não o houvesse. Que tristeza seria se isso fosse verdade... Se exitessem mais pessoas como ela. Não. Ela desejava do fundo do coração que isso não fosse verdade. Ela desejava que fosse a única. Que tristeza seria se o mundo tivesse mais inadaptados, infelizes e frustrados como ela! Isso seria terrível, por isso era melhor nem sequer equacionar isso.

Todos os dias ela sentia-se prisioneira de uma realidade que não era a dela. Todos os dias ela sentia-se prisioneira daquilo que ela não gostava. Todos os dias ela sentia-se prisioneira de si mesma. E, isso, era tão cansativo... 
Cansativo e destruidor. Mas ela aguentava-se. 
Sozinha. 
Sempre.

Ao longo dos anos, ela tinha conseguido descobrir algumas coisas que a ajudavam a aguentar-se. E ela prezava isso... Como se fosse um tesouro. Desse tesouro faziam parte momentos, novos conhecimentos, pequenas alegrias, pequenas conquistas, pessoas especiais... Sempre as pessoas. Pessoas tão especiais que ela sabia que tudo tinha de fazer para contribuir para a felicidade delas. Estar próxima quando precisassem, ouvir quando quisessem falar, ajudar quando o pedissem (e mesmo quando não o fizessem), ser um apoio para que elas conseguissem conquistar os seus sonhos. E, isso, era fantástico. Era como se ela tivesse uma missão... Como se ela tivesse descoberto o seu propósito no mundo. Mesmo que ela não gostasse do que tinha de fazer para cumprir essa missão, ela sabia que era tudo por um bem maior: para que aqueles que lhe tivessem dado alegrias pudessem ser felizes.

Depois de estabelecer a sua única missão no mundo, ela pensou que se podia esforçar um pouco mais e encontrar nessa sua missão algo de que ela gostasse. E, ela encontrou. E aí tudo estava mais suportável. E tudo se tornava ainda melhor quando essas pessoas especiais a ajudavam nesse algo de que ela gostava. Finalmente, ela sorria verdadeiramente e sentia-se com garra, contente, um bichinho que a fazia estar mais empenhada, sempre a mil.

O problema começa quando aquilo que ela havia encontrado, que a fazia estar mais contente, se torna incompatível com o caminho que as pessoas especiais escolhiam agora para serem felizes. Eram coisas incompatíveis. No passado, não. Ela tinha conseguido encontrar a harmonia necessária entre esses dois objectivos. Neste momento, ao contrário de outras situações, ela sentia-se completamente desapoiada naquilo que lhe dava alento. Se calhar, o problema tinha sido dela... Se calhar ela tinha sido egoísta ao pensar que tinha de encontrar algo na sua missão que lhe desse algum alento... Ela deveria ter ficado quieta.
Sim. 
Ela sabia, agora, mais do que nunca, que deveria ter ficado parada no seu lugar, a cumprir escrupulosamente aquilo para o qual tinha sido criada. E ponto final. Desse modo, não sentiria o que sentia agora: a solidão de estar só ela no seu gosto.

Tudo se desmoronava e ela ficava sem o seu alento. Aquela alegria genuína, de aventura, desaparecia de si e ela não as conseguia agarrar porque estava cansada. Estava muito cansada de ter tentado tanto de manter essa alegria da aventura ao mesmo tempo que tentava manter a sua missão. Porém, cada vez mais, a missão sobrepunha-se àquilo de que ela gostava... E ela estava genuinamente cansada de insistir.

Novamente, aquela pontada no pescoço fazia a sua atenção focar-se na dor física. Ela fecha os olhos e continua a balancear a cabeça, encostando-se na cadeira.
Passado um minuto, a dor desvanece novamente e a atenção volta a estar em si. 

O único caminho a seguir é fazer o melhor que sabe. 
Sozinha. 
Vai ser difícil e todas as expectativas que ela tinha criado não se vão cumprir. Por isso, agora, ao seu alcance está algo simples: voltar a privilegiar aquilo que é o seu propósito neste mundo - ajudar os outros a serem felizes. 
Ela não importa.
Ela nunca importou. 
Agora, apenas para seu agrado pessoal, ela vai tentar fazer o melhor que sabe e que pode. 
Cansada, desfeita.
Desiludida. 
Sozinha. Sempre, sozinha.


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