Sobreviver à Margem da Vida

Existem pessoas que aparecem na nossa vida para terem um determinado papel. No sentido em que estão presentes numa altura em que não temos mais ninguém. Podemos até ter outras pessoas, mas, de facto, essas têm um papel diferente... Talvez essas pessoas que aparecem ganhem até outra relevância. É essa importância que imputamos a alguém que nos pode toldar o pensamento. Ou até aquilo que sentimos.

A pessoa ganha uma outra dimensão. É como se a pessoa crescesse de repente... Começa a ocupar um espaço maior na nossa vida. E como isso é bom... Como isso é maravilhoso, principalmente se esse alguém oferecer algo de novo ou preencher um vazio dentro de nós. É óptimo! Sentimos que somos humanos outra vez. Sentimos que importamos para alguém. Possas! Senti-mo-nos amados. E isso é tão bom! Afinal de contas quem é que não gosta de se sentir amado?

O ser humano nasceu para ser amado e amar. Quando, finalmente, consegue ter um pouco disso, sente-se completo. É por esses momentos de plenitude que por cá andamos. Nessa altura, a forma como conseguimos ter esses momentos pouco importa. O que interessa é aquilo que sentimos, a plenitude de nos sentirmos bem connosco e com os outros.

É por tudo isto que não estamos preparados para aquilo que o futuro nos traz. E aquilo que ele traz não é, muitas das vezes, aquilo que esperamos. No caso destas pessoas que nos enchem a alma e dão significado àquilo que fazemos, circunstâncias da vida mostram que a sua acção fez todo o sentido em determinado momento, mesmo que tudo se torne diferente. Porque, na verdade, tudo acaba por mudar. O tempo passa e percebemos que essas mesmas pessoas têm uma forma de estar e têm a sua própria vida. Têm a sua própria família, os seus próprios amigos. Nós somos aquelas pessoas que eles ajudam, porque querem, porque pensam que é o mais correcto a fazer... Porque são humanos no verdadeiro sentido da palavra.

Existe a ocasião certa para percebermos isso. Que, de facto, essas pessoas apareceram na altura perfeita para que não caíssemos por terra e desistíssemos. Essas pessoas aparecem para que sejamos capazes de ultrapassar aquela altura difícil, suportar a solidão, amparar os nossos fracassos. Tudo para que tenhamos a capacidade de continuar a sobreviver.

Como é tão regenerador aceitar a ajuda desinteressada de alguém! É normal que nos deixemos levar na ilusão de que agora pertencemos à vida do outro... De que agora temos alguém a quem podemos recorrer. Tudo isso é normal. Tal e qual como quando estamos cheios de sede e bebemos água sem parar. Essa sensação de estar saciado é das melhores coisas que existe. E é essa sensação que nos tolda a razão, fazendo parecer que estamos completamente satisfeitos e que agora não vamos precisar de beber mais água nos próximos tempos. Obviamente, que estamos perante um engano, porque, dali a uma ou duas horas vamos voltar a ter sede.

Esse saciar leva-nos, então, a pensar que encontramos alguém que vai estar sempre connosco. Porém, a realidade, mais cedo ou mais tarde, vai encarregar-se de se fazer notar. E, em pequenos gestos, em pequenas palavras, percebemos que essa sensação é unilateral. Somos os únicos a sentir esse amor verdadeiro ou essa amizade profunda e completa.

Perante esse facto temos várias opções, entre as quais, decidirmos continuar a viver na ilusão de que a profundidade daquilo que sentimos é correspondido ou, então, decidimos que o melhor é afastar-mo-nos. O melhor é sairmos da vida dessa pessoa, mas nunca deixando de agradecer por aquilo que ela fez por nós. Isso seria ser ingrato... Isso seria deitar ao lixo a ajuda que recebemos. E isso é atroz e desumano. Nunca podemos perder a nossa humanidade, isso é uma das coisas que nos distingue do resto dos animais. Então, agradecemos eternamente, desejando poder ajudar sempre que essa pessoa precisar de nós, mas, coloca-mo-nos à margem da sua vida. Regressamos ao nosso lugar de origem: à margem da verdadeira vida e vê-mo-la passar, desejando que essa não fosse a nossa verdade. A nossa realidade.

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