A Consciência do Inconsciente

Perguntaram-lhe o que é que ela queria da vida.
Ela não sabia.
Apenas tinha a certeza de que não queria aquilo que tinha. 
Ao responder isto questionaram-lhe se ela não tinha nada na sua vida que ela quisesse manter.
Aí ela também não demorou a responder, tal como quando lhe fizeram a primeira pergunta: "as pessoas de quem mais gosto queria que estivessem sempre comigo mesmo que a minha vida mudasse por completo". 
Foi a resposta dela. 
Rápida. 
Incisiva. 
Sincera.

Porque razão é que uma pessoa como ela, jovem e com tudo pela frente, se sentia tão impotente e não se conseguia desfazer disso? Agarrar na coragem que ainda lhe restava e ser diferente? Agir... Aí ela não quis dar qualquer resposta. O seu olhar ficava ainda mais triste. Dava impressão de que ela desejava que tudo fosse distinto, mas nada fazia para que isso acontecesse. Ela comportava-se como se aquele fosse um destino que tinha de cumprir. 
Estar sempre a levar pancada.

Talvez fosse o facto de estar, constantemente, a ser pontapeada para ficar na beira da estrada que lhe permitisse dar toda a importância do mundo a momentos que para outros não passam disso mesmo... de momentos. A importância que dava a uma verdadeira partilha com uma amiga. Um café bem quente ao final da tarde. A amizade verdadeira que mantinha... Tudo isso a fazia continuar a seguir em frente.

Isso era notório, até para quem lhe fazia aquelas perguntas tão cruéis de que ela teimava em fugir. Afinal de contas, as perguntas também magoam. É como se continuassem a pisar numa nódoa negra. Permanentemente. 
A dor não parava.
Ela acaba por confessar, meio entre dentes, que ela pensava que o ser humano se conseguia habituar à dor. 

Será? 
O homem foi feito para se adaptar ao sofrimento ou foi feito para perseguir a felicidade?
"Todos os Homens não estão destinados a ser felizes?", é a questão que lhe chega aos ouvidos. 
Ela não responde de imediato.
É fácil perceber que ela está a pensar naquilo que pode dizer... Ou estará a pensar se deve ou não ser honesta e responder aquilo em que acredita? Ela olha para o jardim em frente e passados uns minutos declara: 
"Não".

Não?
Esta é uma resposta que não se ouve todos os dias... Normalmente, todos querem ser felizes, a maior parte das pessoas faz de tudo para se sentirem felizes, sejam grandes gestos ou atitudes fúteis, por exemplo. 

Eles ficam à espera que ela explique aquela negação.
"Nem todos nós conseguimos alcançar aquilo que nos torna plenamente felizes. Nem todos nós conseguimos atingir esse estado... Alguns de nós são um instrumento para que outros cheguem a essa felicidade. E é esse altruísmo que pode permitir a esses ficar um pouco melhor, com a sensação de dever cumprido".

Será? 
Será que nem todos podemos chegar à felicidade plena? 
É certo que a frustração desta mulher é clara: sempre desejou ter aquilo que nunca teve. Por mais que tentasse,.. Sempre quis alcançar algo do qual nunca conseguiu estar perto. Estão a falar com uma pessoa frustrada, mas ela não será a única no mundo. 
Talvez tenha razão. 
Nem todos os Homens podem ser felizes. 

Mas que mundo é este em que vivemos se não podemos ter as mesmas oportunidades? Porque é que isto acontece? Como se pode viver assim? Pensando um pouco, eles não lhe precisam de fazer estas questões. 
Na verdade, as pessoas que assim estão não vivem. 
Sobrevivem... 
Sobrevivem sem esperança em ter o seu sonho na sua mão. 

Mas, uma pessoa frustrada também sonha?
Esta questão é colocada em voz alta. E aí a resposta volta a ser clara. 
Inequívoca.
"A frustração não impede o Sonho. Eu sou frustrada e sonho. Sonho tanto... Passo a minha vida a sonhar. Assim que fecho os olhos sonho que estou numa realidade completamente diferente... Às vezes sei que me estão a dizer qualquer coisa, mas não lhes presto nenhuma atenção porque estou a sonhar... E, normalmente, imagino que estou noutra vida. Isso só não acontece quando estou confortável, quando estou com um verdadeiro amigo que me deixa completamente confortável e em paz..."

"Haverá algo além disto?"
A pergunta sai-lhes assim... Como um disparo. Talvez tenha sido sem pensar, mas eles não conseguiam entender como é que alguém podia viver presa durante toda a sua existência sem qualquer vontade de ver um pouco de luz.

E, num sussurro, ela diz: 
"Tem de haver... E espero que alguém, um dia, me leve daqui para um local onde me sinta bem. É a isso que tenho de me agarrar. E acreditar que sempre que estou sozinha, na realidade não estou... Qualquer dia alguém me levará daqui..."

Ela acorda. 
Mais um sonho. Está deitada de lado, com a mão no peito.
Mais um desses sonhos... 
Mais uma vez a sua consciência e o inconsciente devem ter estado a brincar consigo.

Escorre uma lágrima pela sua face. 
Só num sonho ela partilharia aquilo que sente numa conversa com dois estranhos. Com duas pessoas que nunca vira.

Passa a mão pela cara. 
Ela tem de dormir. Olha para o relógio e são quase seis da manhã. 
Ela tem de tentar dormir. 
Dali a duas horas tem de se levantar. 

Outra vez. 

E seguir o seu dia-a-dia.

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