Lembras-te de como era quando estávamos os dois?

- Lembras-te de como era quando estávamos os dois?
Atirei-lhe a pergunta meio sem saber porquê. Aqueles tempos em que apenas nos juntávamos para sentirmos a presença um do outro. Nada precisava de ser dito e eu sentia uma saudade enorme desses tempos. Dos tempos em que nada temos de justificar. Dos tempos em que éramos livres para fazer aquilo que bem quiséssemos. Aqueles tempos em que éramos só nos os dois, sem perguntas, aborrecimentos e pressões.

- É claro que me lembro. Éramos felizes nessa altura,
Assim. De forma simples e carinhosa ele dizia-me que se lembrava. Que bom... Havia momentos em que pensava que o bem-estar que sentia ao recordar aqueles tempos felizes era só meu. Nunca mais nos tínhamos encontrado como antes. Por isso, pensava que a felicidade das nossas reuniões era só minha. Porém, a firmeza da sua voz dizia-me o contrário. Tal como eu ele sabia do que é que eu estava a falar.

- Sim. Éramos. Achas que não podemos voltar aquele sítio? Estarmos à beira mar, a tomar aquele café, e a falar de tudo e de nada?

- E também com os nossos silêncios?
Que pergunta a dele! Os nossos silêncios eram talvez dos mais importantes para mim. 

As pessoas andam à roda para comunicar umas com as outras. Sentem necessidade de expor tudo, a maior parte das coisas sem interesse... Andam sedentas de atenção, pensando que se falarem deles e dos outros estão a ter o desejado carinho por parte de quem os ouve. Essa é uma das maiores mentiras nas quais podemos acreditar. Na maior parte das vezes o excesso de palavras faz com que o necessário daquilo que somos fique para trás. Falar sem parar não é sinónimo de construir um profundo sentimento entre duas pessoas. Esse profundo sentimento também precisa de silêncio para se construído. Quantos de nós pode ter a felicidade de poder estar com alguém sem nada dizer, sem que essa falta de palavras nos seja cobrada, ou tenhamos necessidade de falar porque o silêncio é demasiado desconfortável? Essa possibilidade de silêncio é uma dádiva.

- Claro. Os nossos silêncios... Os nossos silêncios e a tua compreensão.
- E a tua honestidade.
- E a tua boa disposição.
- E a tua inocência...
- E a tua paciência...
E agora? Porque ficou ele a sem nada dizer? Acho que já sei... Talvez não o devesse ter dito. Mas é a mais pura das verdade. A sua paciência e a sua abertura para com o quer que seja sempre me deixou abismada. A forma como ele parece tudo entender, sem nada questionar.

- Lá estás tu...A paciência? Nunca a usei contigo. Só se pode ter paciência com algo ou alguém se esse algo ou alguém for chato e absorvente. Tu nunca foste isso para mim... Sabes bem que não.

Silêncio.
Aí está ele. Até pelo telefone temos os nossos silêncios. Este agora criado por mim. Mas eu não sei o que lhe dizer. Não o quero deixar muito tempo sem resposta, até porque sei que a nossa chamada não pode durar para todo o sempre. Já estamos há mais de um quarto de hora a falar e em breve teremos de regressar às nossas vidas.
- E o teu abraço? Não podemos voltar àquele tempo em que nos era tão fácil dar um abraço?

Agora foi ele. 
O silêncio causado por ele. 
O que lhe poderia estar a causar alguma reticência em me responder? Talvez ele sentisse tanta falta de um abraço como eu e não mo soubesse dizer... Depois de tanto tempo sem nos vermos existiam certas palavras que nos custavam a ser proferidas.

- Quando nos poderemos abraçar outra vez?
Aquela pergunta apanhou-me desprevenida. A seriedade com que foi feita deixou-me sem reacção. Eu não sabia o que lhe dizer. Não tinha uma resposta para lhe dar e eu tinha a certeza de que ele também não sabia esclarecer essa questão. Dar pelo menos uma estimativa... 

Ambos estávamos presos a uma vida que não tínhamos desejado. Sabíamos que nos tínhamos de cingir ao que estava à nossa volta. Mas aquela eterna saudade estava sempre presente e a única forma de a tornar suportável era recordar aqueles momentos em fomos felizes.
- Não sei.
- Desculpa perguntar-te isto.
- Não peças desculpa. Pergunta sempre que quiseres. Talvez um dia tanto tu como eu tenhamos essa resposta. Mas olha, não te esqueças.
- De quê?
- Lembraste de como era quando estávamos os dois?
Ele deixou escapar o som de um riso com a repetição da minha pergunta.
Ele sabia o que eu lhe queria dizer. Olhei para o relógio. 

Era hora.
Hora de desligar e voltar a não ser eu. 
A voltar à minha prisão diária.

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