O Mundo de Mariana

Mariana estava cansada. Mais um dia a servir um bando de clientes, a maior parte deles arrogantes e mal dispostos. O trabalho de serviço de mesa era cansativo, principalmente num dos restaurantes da cidade que estava mais na moda. As horas das refeições eram caóticas! Braços no ar, vozes de todos os lados, um sem fim de ordens às quais tinha de obedecer. 

Todos os dias a rotina era igual. Cumpria sempre o seu horário. Chegava a horas, colocava o avental da casa, arrumava o que tinha de arrumar e fazia os recados que lhe pediam. Tudo até chegar à hora de almoço. Era só ter a bandeja debaixo do braço e depois começar a falar com as pessoas. Tudo igual em todos os dias.

Com os seus 20 e poucos anos, Mariana tinha como certo o que lhe iria acontecer daí por diante. Há muito que não sabia qual era o seu lugar. A sua casa, sentia como se não fosse sua, mas não tinha meios para conseguir ter uma para si. O trabalho no restaurante dava para as suas coisas e tentava poupar o máximo que conseguia todos os meses. Mesmo assim, as coisas não estavam fáceis. Por isso, tinha de estar com os seus pais. Com o decorrer do tempo, Mariana sabia que no futuro iria também cuidar deles. E isso era uma coisa que nunca tinha imaginado que poderia acontecer. Desde pequena que se tinha habituado a ver os mais velhos da sua família a serem cuidados por alguém. E ela achava isso bem. A ideia de enviar um familiar para um lar não era bem vista e ela sempre tinha partilhado dessa opinião. Mas saber que iria ficar ali era duro. Era algo que nunca tinha pensado ser possível.

Quando era mais nova o seu maior sonho não era ser rica, fazer viagens ou ter o melhor emprego do mundo. O seu maior e mais secreto sonho era poder sair de casa. Ser completamente independente sem ter de prestar contas a quem quer que fosse. Era o seu maior desejo... Ingenuamente, tinha orientado a sua vida para isso, por isso pensava que bastava ter um emprego que tudo ia acontecer naturalmente. A vida acabou por lhe mostrar exactamente o contrário. E ela sabia que pouco podia fazer para mudar isso. 

A maior parte do tempo sentia-se sozinha, refugiando-se na única coisa de que realmente gostava e que a levava para um mundo só seu. Como se criasse uma barreira à sua volta e onde a dor, a raiva e a injustiça não podiam entrar. Ouvir a música de que mais gostava era o seu único ponto de equilíbrio. E a oportunidade de ter esse ponto de equilíbrio em qualquer espaço, desde que tivesse consigo a sua música, era uma benção. Uma benção que ela agradecia todos os dias.

No início, a má educação da maior parte dos clientes enervavam-na. No entanto, com o passar do tempo, isso foi mudando. Adaptou-se a essa realidade. Porém, isso não impede ser apoderada pelo cansaço. Hoje estava a ser um desses dias. Mariana sentia-se cansada de ter de estar sempre a sorrir, estava farta da sua falsa simpatia. Mesmo quando às vezes as pessoas dessem a entender que quase lhe queriam bater, porque demorava mais de cinco minutos a atendê-las.

Finalmente, o dia chegava ao fim e Mariana ia para casa. A andar devagar, mas num ritmo preciso. Não podia atrasar-se demasiado para chegar a casa. Sem reparar, de repente, sentiu um encontrão. Era normal ser assim. Invisível. No entanto, perder o equilíbrio não era muito usual. Sentiu uma forte mão a puxá-la, evitando que se estatelasse com as costas no chão. 

Endireitou-se, olhou em frente e viu um senhor mais velho. Agora chegava uma senhora que lhes perguntava se estava tudo bem.
- Estes jovens não têm cuidado nenhum! 
Mariana fez aquela cara de quem não está a perceber nada, até que o homem falou.
- Estava a passear com a minha mulher quando vi um rapaz a correr. Estava mesmo a ver que ele a ia empurrar. Ainda bem que evitei essa queda!
Mariana agradeceu de forma genuína e teve vontade de abraçar aquele simpático casal. Fazia muito tempo desde que alguém a tinha ajudado de forma tão simples. 

Recompôs-se, voltou a agradecer e seguiu caminho. Tinha de chegar a horas casa, mas hoje Mariana sabia que ia descansar a agradecer por alguém lhe ter dado a mão. 

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