Temos o direito de Matar?

Um pouco por todo o mundo, as últimas semanas têm sido particularmente caóticas. Bombardeamentos, assassinatos, terrorismo. Morte. Na minha opinião, é, precisamente, a morte que faz com que os dias que têm passado nos sobressaltem. Cada vez que ligamos a televisão e olhamos para um noticiário ficamos à espera de que novas notícias nos venham prender a atenção. Notícias que nos trazem morte. Nunca consegui perceber exactamente porque é que são estas notícias que chamam a maior atenção das pessoas. Seja um acontecimento em que morrem centenas de pessoas de uma só vez, seja um assassinato bárbaro em que o marido mata a mulher, por exemplo. A verdade é que no mundo em que vivemos a violência da morte dá audiências, e isso não é uma novidade. Dizem que tal acontece porque o ser humano tem tendência a prestar atenção a tudo o que é mórbido. Talvez seja verdade e, se for essa a principal razão, isso demonstra como tudo vai mal no mundo em que vivemos. 

Quando cheguei a casa, no dia 7 de Janeiro, e vi o que tinha acontecido no jornal Charlie
Hebdo, a curiosidade pelo mórbido não foi nenhuma. No entanto, a surpresa e o choque de duas pessoas entrarem num edifício e matarem a sangue frio um grupo de trabalhadores, isso sim, prendeu a minha atenção. À partida essa é uma realidade que nos parece tão distante, mas, ao mesmo tempo tão perto. Uma realidade que me deixa completamente pasmada. Qual o ser humano que se acha no direito de tirar a vida a alguém? Essa é uma pergunta que me perturba há muito tempo. Não apenas desde aquilo que aconteceu em França. É uma questão que sempre se instalou na minha cabeça, quando em miúda assistia às imagens da guerra em Timor, quando assisti aos atentados do 11 de Setembro, quando vejo sistematicamente a guerra entre a Palestina e Israel, os conflitos na Síria, a invasão do Afeganistão e do Iraque, perpetrada pelos Estados Unidos, o assassinato de jovens finlandeses por Breivik, a guerra nos Balcãs e tantos outros conflitos e ataques que nos assolam diariamente. O facto é que, apesar de estarmos a viver na sociedade mais evoluída em termos de conhecimento, comunicação e tecnologia, o ser humano continuar a ser bárbaro.

Não podemos olhar para os acontecimentos em Paris e, na semana passada na Bélgica, como situações isoladas, sem explicação social e histórica. Uma das primeiras coisas que ouvi acerca do Charlie Hebdo, ja não sei por quem, foi: "alguém faz ideia de quantas pessoas os ocidentais mataram nos países árabes este ano? Isto foi apenas uma réplica do que acontece por lá". Por mais cruel que possa parecer, esta afirmação é verdadeira. Sim, é verdade. Quantas pessoas o mundo ocidental mata diariamente nos países muçulmanos, alguém tem ideia? Eu não tenho, só tenho uma certeza: são muitos. Pensar que isto é verdade, assusta-me. Porque os autores de atentados terroristas agarram nesse facto, nessa verdade inegável, para também justificar os seus actos. As verdades quando são utilizadas para tirar a vida de alguém são muito difíceis de contornar.

No entanto, volto a perguntar: como é que uma pessoa acha que tem o direito de tirar a vida a outra? Acha-se superior? Não somos todos iguais? Qual o mundo hipócrita em que vivemos, onde, por um lado, defende a igualdade entre os povos, mas onde sistematicamente mata e dá verdades para que outros as tomem e decidam, também ele, tirar a vida do outro?

Considero que o terror causado por aqueles homens em Paris é de todo abominável. Existem vozes mesquinhas que dizem que o Charlie Hebdo estava a pedi-las. Como assim? Poderiam estar já no exagero, mas por alguém exagerar a fazer algo isso é razão que justifique o seu assassinato? Eu não consigo sequer encontrar um sentido nesta crítica. Há tantos exageros neste mundo e não vejo ninguém a eliminar essas pessoas que os provocam. Porquê, então, dizer uma barbaridade destas? Sou católica e não foi por ter visto caricaturas sobre o cristianismo que decidi que quem o faz deveria morrer. Não. Por mais exagerado que seja, nada justifica a morte. Essa é das poucas certezas que tenho. Ache-se graça ou não, isso não nos dá o direito de matar.

Aliás, a única certeza que tenho disto tudo é que nenhuma razão, nenhum motivo, nenhuma verdade, nos dá o direito de tirar a vida a alguém. Esse deveria ser o valor supremo de todas as pessoas deste mundo, sejam ocidentais, árabes, chineses, indianos... Nada pode justificar o assassinato. 

Creio, no entanto, que o valor da vida humana vai continuar a ser espezinhado. É interessante perceber que a evolução de  uma sociedade não traz a evolução do comportamento humano. Continuamos a matar-nos nas guerras, tal como acontecia na época medieval, por exemplo. Agora ainda pior, com armas mais potentes, mais comunicação, mais estratégia. De que vale termos conhecimento se não possuímos valores? Continuamos a fazer negócios com países corruptos, continuamos a vender armas para que outros se matem, continuamos a colocar a ganância acima de tudo e de todos. 

Seremos assim tão evoluídos? Não me parece. Continuamos sim a saciar as nossas necessidades básicas, mas também os nossos luxos, mesmo que para isso tenhamos de fazer de tudo, como, por exemplo, pensar que somos tão superiores que podemos tirar a vida a alguém.

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