A Máscara do Cinismo

As gotas da chuva que caíram no meu casaco não me incomodam. Está calor. Um tempo abafado que me deixa deveras desconfortável. Chove mas está quente. É para mim uma contradição. Talvez por nunca ter estado num país com esse tipo de clima, não consigo considerar que este seja um tempo normal. E incomoda-me. Mas tenho de continuar. A vida não pode parar porque não gostamos do tempo, porque nos sentimos deslocados e aborrecidos. Temos de continuar.

Penso nisso enquanto decido tomar um café. Tenho de tomar um café, desesperadamente. Estamos a meio da manhã e ainda não consegui beber um café. Ainda não consegui acordar. Ainda não consegui livrar-me do cansaço que tentei deixar na cama durante a noite, mas faz tempo que ele não me larga. Parece por vezes que me persegue. Um cansaço imenso. Mas não me dou por vencida. A vida não pára só porque estamos cansados, as responsabilidades não desaparecem só porque estamos cansados. Não. Tornam-se ainda mais pesadas, porque ao mesmo tempo que as assumimos temos de continuar a lidar com o cansaço.

Finalmente, chego ao café. Não me sento, não vale a pena. Tenho, devo ser rápida. Fico ao balcão e peço o café. Ainda bem que o serviço é rápido. 
Nem sequer olho em redor. Estou concentrada no objectivo de beber o meu café. Pelo menos isso eu posso cumprir e vou fazê-lo. Por isso, não me esforço sequer para levantar a cabeça. 

Até que os meus ouvidos captam duas vozes familiares. Não me viro para ver onde estão essas duas pessoas. Não quero que elas me vejam. Não quero falar com elas. Não quero perder tempo. Tento despachar-me, bebo o café e procuro a carteira para deixar os 60 cêntimos ao empregado. Encontro a dita cuja e retiro o dinheiro. Certo. Ideal para poder deixar no balcão e não ter de estar à espera do troco. 

Discretamente, dirijo-me para a porta de saída, quando, para mal dos meus pecados, oiço o meu nome. "Merda!", penso eu. Não há volta a dar. Tenho de ser simpática. Volto a colocar a minha máscara e vejo que são aquelas duas aves raras que me querem cumprimentar. 

É certo que não demora muito tempo, porque também não dou muita conversa. Educadamente, despeço-me. Assim que viro costas e finalmente estou na rua penso: "como é que as pessoas podem ser tão voláteis? Como é que conseguimos ser tão cínicos?".
Confesso que são questões que sempre estiveram na minha mente, mas ao ver aqueles duas mulheres a tomarem um café e a falarem como se fossem as melhores amigas do mundo é assustador. Principalmente, por terem passado um grande tempo de costas voltadas e a serem um inferno uma para a outra. 

Não sou puritana ao ponto de achar que elas são as únicas. Concerteza que não são. Eu também sou cínica. Acabei de sê-lo naquele momento. Pensando abertamente, a verdade é
que todos nós somos ou fomos cínicos. Todos nós, sem excepção. Em qualquer situação da nossa vida, grave ou menos grave, em trabalho ou em família (principalmente a afastada). E com os amigos? Também seremos?

Quando me sento novamente na secretária fico parada nesse pensamento. Se até formos cínicos com aqueles que consideramos nossos amigos (não os conhecidos, aqueles que não os consideramos amigos, porque não somos verdadeiros com eles), do que é feita a nossa vida? Se o formos então não seremos amigos. Com os amigos podemos ser nós mesmos. Sem medos e receios. Porque somos verdadeiros. 

Com tristeza penso que muitas vezes aquilo que acontece é que estamos tão habituados a usar a máscara do cinismo para sobrevivermos no quotidiano, que quando estamos fora da rotina, podemos não retirar essa máscara, que começa a ser pesada, mas que nunca cai por si mesma. Somos nós que não nos podemos esquecer de a retirar. Se não o fizermos algo vai mal. Algo vai muito mal. 

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