Per Amore Del Mio Popolo - A Luta de Don Peppe Diana pela sua terra

"A questão não é se existes. Mas sim, onde estás?"
Esta é uma das frases que entrou na minha cabeça e que não vai desaparecer tão cedo. Esta é dirigida directamente a Deus por Don Giuseppe Diana, no funeral de mais um jovem, numa cena da mini série produzida pela Rai Uno intitulada "Per Amore Del Mio Popolo".

Uma história sobretudo de coragem e lealdade: coragem para enfrentar a conhecida Camorra (como é denominada a máfia da região da Campânia, no sul de Itália) e leal porque este padre acredita na gente daquela terra, que também é sua, Casal di Principe (conhecida pelo crime organizado instalado e controlador que aí impera. É uma comuna italiana que pertence à província de Caserta, na região da Campânia). Uma história verídica, adaptada pela Rai Uno e que passou em Março deste ano, data que marca os vinte anos da morte deste sacerdote.

A sua vontade em fazer com que o sitio onde nasceu se reerga da miséria e das garras da máfia leva-o a agir. Não apenas com a sua palavra de fé, mas sim com actos concretos. Deixa de lado a hipocrisia e bane os criminosos da sua igreja. Ele quer deixar claro que a actividade ilegal e corrupta é incompatível com os ideais da Igreja e, mais do que isso, com os valores da vida humana. Don Peppe Diana não tem medo de lhes fazer frente. Fala-lhes olhos nos olhos. Recusa-se a corromper-se. 


A frase que dá o título a esta mini série italiana, é a primeira que Don Peppe escreve na sua célebre carta, assinada por ele e pelos padres da paróquia de Casal di Principe. O sacerdote lê o documento no dia de Natal de 1991, na sua Igreja de San di Nicola de Bari, para todos os que ali se encontram. Uma carta na qual expressa claramente aquilo que é a Camorra: uma forma de terrorismo. Um estado paralelo e corrupto. Fala a verdade que todos sabem, mas que ninguém se atreve a proferir. Ele ousa fazê-lo. Ele está lá para mostrar que é possível. A sua acção centra-se na denúncia, de colocar no centro do debate aquela terra.


Don Peppe Diana leva os seus actos por diante. Cria um centro para os imigrantes africanos que chegam àquela terra e que muito facilmente são absorvidos como mão de obra pela Camorra. Ele sabe que a constituição deste espaço é uma forma de os acolher e evitar que mais homens e mulheres caiam nas garras do crime. 


Com todos os seus esforços tenta trazer os jovens para próximo de si. Porque, desde que Casal Di Principe é também a sua paróquia, já viu algumas mortes. Esta é uma terra onde os jovens continuam a morrer, uns porque não têm nenhum Don Peppe que os leve a ver que há alternativa de vida, sem estar relacionada com o crime; outros porque são mortos acidentalmente e ainda aqueles que querem mudar. 


A produção da Rai Uno está excelente. O actor Alessandro Preziosi interpreta a personagem de Don Peppe e faz um trabalho incrível. É através dele que podemos perceber um pouco melhor quem foi este homem. A sua expressão ao fazer aquela primeira pergunta, com a qual comecei este texto, é uma expressão de dor. Como pode um padre encontrar Deus naquela terra onde matam indefinidamente, principalmente se os clãs estão em guerra. Todos os que morrem têm uma família e, invariavelmente, deixam algo para trás. E esses "restos" podem ser absorvidos pela mesma máfia que os deixou sozinhos. E até isso, Don Peppe Diana quer evitar (e por vezes consegue fazê-lo). O curioso é que ele não coloca a existência de Deus em causa, apenas se questiona onde ele está. Poderia um homem assistir a tudo isto sem se questionar? Na minha modesta opinião, não me parece. E o facto de questionar, não quer dizer que deixe de acreditar, muito pelo contrário. 

Além de tudo isto, do meu ponto de vista, a história de Don Peppe é universal, para quem acredita ou não em Deus. O que importa é conhecer este homem, porque nos pode deixar com alguma esperança no futuro. Mesmo nas questões políticas ele não se colocou à margem. O sacerdote não teve qualquer receio em apoiar a candidatura independente do seu amigo, o médico Renato Natale, que declarou como prioridade a luta contra a Camorra. Em 1993 consegue ganhar essas eleições. 

A capacidade de lutar de Don Peppe, mas, mais do que isso, de juntar as pessoas e de fazer com que estas, em conjunto lutem, é o que mais me comove. É evidente que a vontade de Don Peppino era sobretudo construir uma comunidade que não tenha medo de falar e de seguir os seus ideais, podendo ser o oposto daquilo que é a Camorra, porque, na sua perspectiva, esta organização criminosa ganha porque as pessoas que dela não fazem parte não se juntam. Deixam-lhes o caminho livre. Por isso só em conjunto as coisas se podem alterar.

O dia 19 de Março de 1994 dita o fim da sua vida (mas não da sua acção): o seu assassínio, a sangue frio, numa manhã, na sacristia da sua igreja, enquanto se preparava para dar a primeira missa do dia. Cinco tiros: dois na cabeça, um no lado, um no pescoço e outro na face. 

Como se pode ter a coragem necessária para enfrentar tudo isto se a máfia, para além de corromper o poder político e judicial e controlar a polícia, é também capaz de matar um homem da Igreja? Don Peppe não foi o único pároco que morreu por querer mudar alguma coisa. Também em Palermo, Don Pino Puglisi foi assassinado, pela Cosa Nostra, em 1993, devido à sua acção contra a máfia.

É o exemplo de homens como Don Peppe que me fazem acreditar que existem pessoas que não têm medo de lutar pelos seus ideais, pelas suas gentes, pela sua terra. É uma pena serem tão raras. A verdade é que Casal di Principe não quer esquecer a história deste padre. Mais do que isso: quer dar-lhe continuidade. Por isso, os seus seguidores criaram uma associação de promoção social - o Comitato Don Peppe Diana. Além desse passo, nas eleições deste ano, Renato Natale candidata-se novamente para comandar Casal di Principe e a primeira volta ditou a sua vitória. A segunda realiza-se no próximo dia 8 de Junho. Esta é uma oportunidade de regressar ao trabalho que começou em 1993 e que foi interrompido. Depois da morte de Don Giuseppe Diana, a vida de Renato Natale não foi facilitada e o seu governo minado pelos camorristas, chegou ao fim em 1994, durando apenas alguns meses. 


Além desta mini série, parte daquilo que aqui se passa está muito bem escrito por Roberto Saviano no seu livro, "Gomorra", que lhe valeu o Grande Prémio do Festival de Cannes, em 2008. Foi aqui, aliás, onde, pela primeira vez, li e conheci a história deste homem, Don Peppino Diana. Foi fascinante perceber que aquilo que lia era verdade. Que um homem como ele tinha existido. É muito difícil acreditar que pessoas como estas sejam reais, que tenham deixado um rasto, memórias e palavras que não se esquecem. É muito difícil perceber que elas são reais depois de lermos e conhecermos tantas coisas terríveis. Ao contrário de muita gente eu tendo a acreditar mais depressa na realidade das coisas terríveis do que das coisas boas. E Don Peppe é uma coisa boa. É algo que deve sempre permanecer. Porque, como ele dizia, só podemos mudar algo através da nossa palavra, mas também do nosso exemplo. Não pode existir um sem o outro. Esta é a primeira forma de acabar com o medo. Esta é uma mensagem para Casal di Principe, mas, é mais do que isso, é também uma mensagem universal, que, de uma forma ou de outra, deve guiar a nossa vida.


Pequena biografia de Don Peppe Diana:

Nasce a 4 de Julho de 1958, em Casal di  Principe, filho de agricultores. Entra para o Seminário de Aversa em 1968 e é ordenado sacerdote em 1982. Estuda em Roma e ingressa no escutismo. Algo o faz regressar a Casal di Principe, onde se torna pároco na Igreja de San Nicola de Bari, em 1989. Aí deu início a um trabalho de fé, de união e de coragem com o propósito de devolver a sua terra às mãos das pessoas honestas que dela faziam parte. Uma forma de resgatar Casal di Prinicipe da Camorra e acabar com a violência extrema que aí se vive. Foi alvo de calúnias por parte da imprensa local, como os rumores de pedofilia e do seu envolvimento com mulheres. Não desistiu e encontrou um forte grupo de crentes, muitos deles jovens. Apoia a candidatura de Renato Natale, que declara o seu principal objectivo a luta contra a Camorra. Don Giuseppe Diana é assassinado a 19 de Março de 1994, com apenas 36 anos.


Links de Interesse:
Comitato Don Peppe Diana:
http://www.dongiuseppediana.com/

Biografia e Carta "Per Amore Del Mio Popolo Non Tacerò" (Por amor ao meu povo, não me calarei):
http://www.caritasitaliana.it/caritasitaliana/allegati/1230/Materiali_donGiuseppe_Diana.pdf

Trabalho do jornal La Reppublica, no âmbito dos 20 anos da morte de Don Peppino:
http://video.repubblica.it/spettacoli-e-cultura/in-ricordo-di-don-peppe-diana-a-20-anni-dalla-morte-lo-speciale-su-rai-storia/158875/157369



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