O Que É Ser Nada?
"O que é ser nada?
O que é simplesmente não existir?
O que é não ter significado?
O que é não ter nenhuma função?!"
Margarida repetia estas questões constantemente. Creio que por lhe parecerem tão descabidas ela não conseguia sequer equacionar alguma resposta àquelas perguntas. Desisti de tentar conversar com ela sobre aquelas questões. De qualquer das formas ela não me conseguia dar uma opinião.
No entanto, eu queria entender um pouco mais. Desde que a Julieta me tinha confessado que se sentia como uma nulidade que aquilo nunca mais me saiu da cabeça. Sentia-se assim porque ainda
estava sozinha, tinha um emprego que detestava e nenhum objectivo de futuro. Aquelas palavras ecoavam em mim. O ponto certo da questão é que nunca tinha parado para pensar nisso. Cada vez mais acredito que, em certas ocasiões, pensar em demasia faz mal. Ficamos apáticos e com medo de reagir. Ou melhor, sem vontade de reagir, de tomar decisões. Desmotivados.
Tendo em conta os últimos acontecimentos da vida, pensar em demasia ou não tinha valido a mesma coisa. Porém, neste caso... Eu compreendo a Julieta. Eu conheço esse "estatuto" de nulidade. Não sou nada. Não tenho nenhum significado em especial, perdi a luz que os olhos das pessoas têm. A luz dos olhos que a Margarida tem, por exemplo. Ela está aqui ao meu lado a "tagarelar" e vendo os seus eles têm aquela luz. Mas nada disso me espanta. Tanto a Margarida, como a Julieta, é já minha amiga há muitos anos. E, apesar de todos os problemas que possa ter tido, ela viveu o que teve de viver na altura certa. Teve uma boa educação, é uma pessoa bem disposta e cheia de força.
Penso que seja essa a grande diferença entre nós. Ela teve tempo para ser tudo: para ter as suas aventuras, para passar tempo com os amigos, para ter liberdade. Como será isso? Nem eu, nem a Julieta tivemos a oportunidade perfeita para conhecermos essa sensação de liberdade. De fazermos coisas simples, como passar um fim de semana com os amigos. Lembro-me bens das aventuras que a Margarida nos contava. Quando ela vinha de férias, juntáva-mo-nos no portão da escola e a Julieta dizia ao meu ouvido: "Carla, prepara-te! A Margarida vai contar o fim de semana do início até ao fim". E ria-mo-nos. Sorríamos porque achávamos engraçada a forma de ela contar as coisas. E era das poucas coisas que nos fazia sonhar. Era das poucas coisas que nos levava a imaginar de como seria isso. Estar um fim de semana fora de casa! Ou, melhor do que isso, passar férias com os amigos! Viajar... Como seria?
A verdade é que dez anos depois nem eu nem a Julieta sabíamos o que isso era. Não nos tinham permitido esse espaço. Sentia muitas vezes que uma vez vedado, na altura certa, depois, mesmo quando crescemos, não é fácil. Trabalho, obrigações. Enfim... a Liberdade já não está à nossa mão.
Estávamos a caminho de ir ao encontro do João, o namorado da Margarida. Ela tinha uma enorme sorte! O João era um rapaz muito giro e, além disso, inteligente. Assim que nos aproximámos, a Margarida continuou a falar sem parar, como era hábito. Eu acabei por me despedir e seguir outra rua.
Coloquei as mãos nos bolsos e pensei naquilo que a Julieta estava a sentir. Na verdade, e, pela primeira vez, eu admitia-o a mim própria. Eu também sentia que não servia para nada. Apenas para sonhar. Como eu gostava de sonhar e imaginar. Porém, eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, a Julieta ia recuperar. Graças a Deus que o Eduardo tinha aparecido na sua vida. Apesar de ela ser demasiado fechada, pessoa a quem é muito difícil arrancar alguma confiança, ele estava apaixonado. E, eu tinha a certeza, de que, brevemente, ela ia deixar de se sentir uma nulidade. Desconfiava, até, que ela sabia que pelo menos ela sentia algo. Sim. Tinha de lhe dizer isso. Quem sabe se esse não será o incentivo que ela precisa para finalmente começar algo completamente novo, como uma relação?
Sim. Tinha de encorajá-la. Essa era a minha função e tinha-a de a cumprir. Ai está. Era esta a minha posição, de ajudar os outros, que me fazia estar viva e continuar a acordar todos os dias. E, a não proferir, que era uma nulidade, apesar da minha constante solidão. Ao contrário da Margarida e até da Julieta, eu sou aquela que ainda fico corada ao pé de um homem bonito. Nos meus trinta anos ainda sou assim. Sozinha e sei que estarei sempre sozinha. Só posso agradecer a Deus por tanto a Julieta como a Margarida não estarem sozinhas. É muito doloroso. Há alturas em que as coisas se levam bem. Mas
há outras... Sinto muita falta de algo que nunca tive: alguém que me protegesse. Não no sentido de me fechar ao mundo, mas no sentido de estar comigo, mesmo longe. Ah... Como deve ser acolhedor alguém que nos abrace. Alguém que esteja connosco. Alguém onde possamos encostar a nossa cabeça no seu peito. Creio que isso deve ser uma das maiores alegrias no mundo.
Tenho de falar a sério com a Julieta. Ela não se pode sentir uma nulidade, porque ela tem isto à sua beira, mas tem medo de o aceitar. Tenho de a ajudar! É o único que sei fazer. E é isso que tenho de fazer.
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