A Companhia da Solidão

Deitada de costas, a olhar para o tecto, ela não conseguia dormir. Apenas chorava ao mesmo tempo que ouvia algo dentro de si.

- Eu estou aqui.
- Onde? Não te vejo, não te sinto, não te cheiro, não te toco.
- Eu estou aqui!
- Onde? Onde estás?
- Estou aqui. Não consegues ver?
- Não! Já te disse que não te consigo ver. Onde te meteste? Porque me falas?
- Pelo que parece é a única forma de saberes que estou presente.
- Não, não sei.
- Sim, sabes. Fecha os olhos devagar, como se estivesses a s
entir na tua pele a brisa do mar. A chuva que cai num dia de inverno. Um vento leve num dia quente de Agosto. Eu estou aí.
- Não consigo. Os meus olhos não fecham. 
- Por isso, não me encontras. Estás demasiado presa ao que podes ver, ao que podes sentir, ao que podes cheirar, ao que podes tocar.
- Tu estás na brisa do mar?
- Sim... Claro que sim. Não gostas dela?
- A lembrança da brisa do mar faz-me bem...
- Sim...
- Tu estás na chuva que me molha no Inverno?
- Sim... Não a gostas de sentir na tua pele?
- Faz-me sorrir essa àgua.
- Eu sei.
- Tu estás no vento que me acalma o calor num dia quente de Verão?
- Sempre.
- Sinto que isso me acalma.... Tanto.
- Sim. Sou como uma mão que te faz uma festa e que te acalma a dor que trazes contigo. Sente. Eu estou sempre contigo. Estejas onde estiveres, estejas com quem estejas. Eu acompanhar-te-ei sempre. Esse é o teu destino. Já estás demasiado habituada a mim. Já não te consegues desfazer daquilo que eu sou. Porque, no fundo, tu gostas de mim, tal como todas as outras coisas em que estou presente.
- Porquê?!! Porque raio gosto tanto de ti?! Porquê?!
- Porque sempre foi assim. Porque crescemos juntos, enfrentamos tudo juntos, celebramos juntos, choramos juntos, fazemos o mal e o bem juntos, tomamos atitudes correctas e erradas em conjunto. Sou quem te conhece melhor. Os teus anseios, os teus desejos, as tuas mágoas e os teus sonhos. Só em mim podes confiar.  

Ela fechou finalmente os olhos. Dos seus olhos as lágrimas escorreram.
- Eu sei. Minha querida solidão. Eu sei. Desculpa por sempre te querer substituir. Eu sei que é impossível.
- Pois é, minha querida. Pois é... Estás cheia de mim e nunca te vais conseguir despegar disso.
- Sim, eu sei.

E adormeceu com os braços envoltos em si mesma, num abraço seu.

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