A Vida Num Flash
Aos 60 anos de idade a senhora Maria sentia que agora era tempo de descansar o corpo e a mente. Vivia sozinha, desde sempre. E, também, desde muito cedo que percebeu aquilo que estava guardado para si.
Desde pequena que sonhava com aquilo que todas as meninas sonham: um príncipe encantado, um castelo e felicidade. Na adolescência deixou de acreditar em castelos, mas continuava a querer um príncipe encantado, e, agora, também sonhava com um bom emprego, pelo menos um no qual gostasse de estar e onde pudesse ser uma boa profissional. Em jovem adulta começou a perceber que nunca teria a sorte de ter ao seu lado um príncipe encantado, mas apostou tudo naquilo que ia fazer no futuro. Jurava a si mesma que nunca iria desistir e que iria ser cada vez melhor. Na fase adulta, aceitou que iria ficar sozinha e que não era uma boa profissional, por mais que tentasse. O que tinha escolhido não era para ela e apenas lhe restava viver com isso. E foi precisamente nesta fase, onde se viu sem nada para apostar no futuro, que resolveu olhar para trás e ver a sua importância junto dos outros. E percebeu, finalmente, aquilo para o que estava guardada: ajudar os outros.
Desde pequena que quis ajudar. E foi importante junto dos mais velhos, tristes, para fazê-los sorrir. Conforme foi crescendo, o apoio que dava a quem tinha por amigo era ainda maior. Nunca deixou ninguém ficar para trás, partilhou de todas as brincadeiras e deu sempre o ombro, sejam pelos dramas em casa, ou com os namorados (os "problemas" habituais da adolescência, pelos quais todos passam, menos ela). Maria foi também importante para aqueles amigos que conheceu mais tarde. Fez com que eles nunca desistissem, que pudessem ter alguém com quem partilhar as suas frustrações, as suas alegrias e os seus sonhos. Partilhou com eles algumas das experiências que nunca esqueceram e esteve sempre do lado deles, por mais difícil que fosse ou por mais cansada que estivesse. Entendeu, finalmente, no trabalho, que não era como profissional que era importante, Mas sim para ser a força de que os outros precisavam para continuarem a tentar alcançar os seus objectivos.
Muitas vezes perguntou porque é que as coisas tinham de ser tão complexas, mas depois percebia que a sua presença era importante para que os outros pudessem sorrir e lidar com os seus problemas. Acabou por ajudar a encontrar bons profissionais para que pudessem desenvolver as suas capacidades e irem mais além, sendo, mais tarde, os substitutos para o seu cargo. Com o passar dos anos percebeu que era esta a sua "missão". Não era mais ou menos especial do que outros. Do mesmo modo que as outras pessoas tinham como objectivo de vida ser felizes, formar uma família ou até serem reconhecidos pelo seu talento, este era apenas o seu propósito. Afinal, todos aqueles que têm outros objectivos e que nasceram para os concretizar precisavam de uma palavra amiga e sincera. E era para isso que Maria existia.
Com 50 anos tinha já essa ideia mais do que consolidada e deixou de tentar "ser" outra coisa. Ficou sempre a sua imaginação. De como seria ter alguém ao seu lado a quem pudesse encostar o seu ombro, de ter uma casa cheia, de ser uma pessoa apaixonada por aquilo que faz todos os dias. Agora, passados dez anos, a sua imaginação estava sempre, sempre, a trabalhar. Era essa imaginação que a ajudava a passar os dias e as noites sozinha em casa. Ao longo da vida tinha conseguido manter fortes e longas amizades, incluíndo pessoas da família, e esse era o seu maior tesouro. Porque sabia que eles estavam sempre do seu lado.
Mas, naquela tarde, a senhora Maria, como todos a conheciam, não se sentia nos seus melhores dias. Sentou-se na sua poltrona, virada para a janela, e olhou lá para fora. Estava um dia de sol belissímo. O jardim estava verde e com muita gente, principalmente crianças que corriam de um lado para o outro e que faziam os pais correrem também. Sorriu. Tudo estava como tinha de ser. Fechou os olhos. Uma dor súbita no peito fê-la levar a mão ao seu coração. Em poucos segundos suspirou profundamente e, assim que expirou, lentamente, foi sentindo-se cada vez mais sem forças, quase como se estivesse prestes a adormecer. A verdade, é que nunca mais voltou a acordar.
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Esta história é inspirada num caso real
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