Louco Insubordinado

Sinto que tenho de escrever sobre ti. Há qualquer coisa que me impele a dirigir-te algumas palavras... Mas, como poderei querer explicar o que sinto sobre ti através das palavras? Nem eu sei como explicar todo este fascínio, a vontade soberba de te conhecer, de te perceber, de te ouvir, de te ver... Ainda que sejas de outro tempo, tão longínquo, tenho essa... essa curiosidade imensa em te descortinar, em estar onde estiveste, em ouvir outros falar sobre ti. Como gostaria de te conhecer entrando na tua cabeça, ouvindo todos os teus pensamentos, quem sabe fazer parte dos teus pensamentos!, sentindo cada uma das batidas do teu coração, descobrindo ao tocar-te todas as saliências dos teus bonitos olhos azuis de cor indecifrável, a curva dos teus lábios, as saliências das tuas mãos treinadas para viver, amar, lutar e matar.

Creio, sobretudo, que é a tua coragem... Sim, é a tua coragem que eu quero conhecer. Terás, aliás, alguma outra característica que me faça conhecer-te na tua plenitude, se não for a tua coragem? Não creio... Sabes que sempre tive uma ânsia em conhecer pessoas de coragem, verticais e de palavra? Não sei bem porquê este meu fascínio por quem defende com tudo o que tem e o que não tem aquilo em que acredita. Talvez por ter um lado que sonha e que acredita nas pessoas, não sei bem. Mas, a verdade, eu sei que tu és um desses homens que vai em frente, que decide, que escolhe, que dá o peito às balas, que combate por si e pelos seus, que não se cala perante quem lhe é superior, que dá um murro na mesa, que afirma o que pensa onde e como o quiser. Um líder decidido. Sem barreiras. Livre.

Essa tua liberdade levou-te aos problemas... Mas, afinal, em que casos é que isso não acontece? Não quero que penses que eu considero-te um herói divino. No entanto, convenhamos, és um herói humano. E, como qualquer humano, tens os teus defeitos, os teus pecados, os teus erros, as tuas dores, as tuas quedas. Sim, eu sei e não me surpreende. Mas, sabes o que se passa? É esse teu lado que eu mais anseio por descobrir. O teu lado mau. O mal que provocaste ainda que estivesses às ordens de alguém e o fazias contra a tua consciência. É isso que eu queria conhecer: os teus medos. Qualquer humano, por mais corajoso que seja, tem medo. Era isso que eu mais queria descobrir.

E essa tua forma de olhar o outro? De perceber que a justiça não chega a todos? Que a igualdade é uma tendência e que de forma abnegada te podias dar... E deste. Eu bem sei que te deste, mais tarde, aos outros numa outra forma de luta, dando o teu conhecimento e amparo de forma livre de encargos a quem precisava. Como ganhaste esse olhar pelo outro? Aconteceu-te alguma coisa no passado? Presenciaste alguma coisa? Houve algo ou alguém que te tocou na consciência e que te mostrou que não. Nem todos temos as mesmas oportunidades?

E... E no amor? Como eras no amor? Sou capaz de apostar que na tua postura séria, de altura considerável, ombros direitos, cara séria e boa eloquência deverias ter tantas histórias guardadas no coração... Alguém me disse que sim... Que tiveste uma vida cheia de aventuras. Mas, será, que foram apenas aventuras? Não sentiste amor por alguma delas? Gosto de acreditar que sim, um homem como tu, amou. De forma plena, livre e descomprometida, tenho a certeza! Esses teus olhos devem ter prendido várias almas... e a tua? Quem te terá prendido a tua?

Gostaria de saber como um homem frontal e líder se lembra de usar a poesia para fazer ver a sua verdade. Como foi? Lias poesia? Gostavas de poesia? O que gostavas na arte? Admiravas o belo? Tantas perguntas, eu sei. Tinha tantas perguntas para te fazer, não fazes ideia. No entanto, desconfio que ficar em silêncio contigo seria extraordinário. Dizem que é quando estamos em silêncio com o outro e nos sentimos confortáveis que esse é o maior grau de intimidade que se pode ter com alguém. No fim, era mesmo isso: o meu desejo é que nos sentíssemos confortáveis um com o outro.

Também dizem que eras um tipo cheio de graça, bem disposto e de sorriso fácil. Apesar do teu carácter assertivo e de combate, não me surpreende que fosses um tipo que gostasse de se rir e de fazer os outros rir. Há qualquer coisa no teu olhar que o denuncia, mesmo quando ele é duro, há qualquer coisa nele que te denuncia esse espírito risonho e de bom humor.

Tenho muito pena de, agora, ser tarde para ter resposta para todas as minhas perguntas. Descubro, dia após dia, que já andámos pelos mesmos locais e a minha frustração fica maior: como foi possível não ter conhecido a tua história antes? Resta-me ler o que deixaste. É claro que encontrar os teus livros não será fácil, mas irei fazê-lo. Nem que demore muito tempo, irei fazê-lo. 

Como alguns dizem por aí, serias, afinal, um louco insubordinado? Um inconsequente, que não media a força das suas ações, que agia sem seguir ordens, apenas porque pensava que tinha de ser de certa maneira, bruto, radical e extremista, capaz de fazer o que quer que fosse para ver cumpridas as suas ideias? Será?

Sabes que hoje em dia uma pessoa com princípios, valores e ideais é vista como sendo louca. Porque não se enquadra na norma vigente, porque não se vende, porque não ambiciona poder ou dinheiro, porque não se importa com a influência e os influentes, porque é autêntica e sonhadora. Talvez, hoje, esses que dizem que eras um louco insubordinado também pensem assim: hoje em dia, os autênticos e sonhadores, que não se vendem para conseguir ter algo mais, são postos à margem e são vistos como loucos. 

Sabes uma coisa? Não tenho pensa de ser uma louca insubordinada. Gostava muito era de ter aprendido a sê-lo contigo. Isso sim, é que me daria sentido.

Imagem: Two Lovers (Vincent Van Gogh)

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