Sono Perturbado

Fecho os olhos e tento dormir. Espero que o cansaço tome conta do meu cérebro e me permita adormecê-lo. Já me habituei a não dormir uma noite inteira, mas, a pior parte passou de acordar várias vezes de noite para o meu primeiro adormecimento. 

Espero, já com alguma ansiedade, que o sono me permita desligar o estado consciente. Quero, definitivamente, descansar um pouco, não ter de pensar sobre mais nada e não permitir que pensamentos que não pedi se instalem e eu tenha de lidar com o seu peso.

Espero, já ansiosa, para que o adormecimento chegue. Quero dormir, quero esvaziar por umas horas o meu coração. Quero, acima de tudo, não sentir esta dor que está instalada. A dormir, não sinto. É isso: quero dormir para não sentir.

Fica zangada por não conseguir dormir. Se fico zangada, não fico descansada. Se não fico descansada, não fico relaxada. Se não fico relaxada, não consigo desligar os pensamentos. Se não consigo desligar os pensamentos, não me consigo tornar imune à dor que provocam. Se não me consigo tornar imune à dor que provocam, não consigo deixar de sentir. Se não consigo deixar de sentir, não consigo dormir.

Olhos abertos.

O meu corpo está demasiado cansado e só me apetece ficar prostrada, à espera de que algo aconteça. 

Fecho os olhos.

A tua imagem. 

A tua face, o teu sorriso, as tuas mãos, os teus olhos. Os teus olhos. É como se me viesses visitar. É como se estivesses aqui, comigo, do meu lado. Uma lágrima escorre pelo meu rosto, talvez não devesse imaginar-te, mas eu não sei mais o que possa fazer para não sentir esta saudade. Este vazio que me deixaste... Ao ver-te na minha imaginação é como se este vazio, por breves momentos, desaparecesse e tudo voltasse a estar em ordem. Como naquela altura, sabes? Estranhamente, a desordem que me causavas trazia uma ordem que me fazia acreditar que aquilo sim, aquilo era o correto.

Sucumbo à tua presença na minha imaginação. Vejo-te a sorrir e oiço a tua voz leve, as tuas palavras rotineiras, dou conta das bonitas rugas dos teus dedos. Sinto a tua pele na minha, tal como da outra vez, sabes? É igual, quase como se estivesses mesmo aqui, deitado ao meu lado. Uma outra lágrima escorre. Não faz mal, não estou a fazer mal a ninguém em imaginar isto. Talvez, só faça mal a mim mesma, mas isso também nunca foi importante.

Deixo-me perder na minha imaginação e, agora sim, ela aparece. Como estão bem os dois juntos! Agora, já não sinto a tua pele, agora vejo-te como uma personagem de uma bela pintura. Fazem um par digno de revista, criado por um qualquer pintor. São perfeitos. São como uma bonita pintura exposta numa galeria, cheia de luz, e de cores leves. Não imaginas, concerteza, como me deixa descansada saber que estás com ela... Acima de tudo saber que não estás sozinho. 

Choro e sorrio. Esta não é a minha ordem, mas é a ordem da realidade. Mesmo que eu não me sinta parte desta realidade, é o que existe. É com o que eu tenho lidar. Pago o preço dessa verdade com o vazio, mas mais descansada por te saber imperturbável. Faz sentido, a mais sonhadora fui eu, no segredo do meu íntimo e sem contar a ninguém, nem e ti, a mais sonhadora sempre fui, julgando ser possível viver o que sempre tinha ambicionado. E, por isso, é que, agora que não estás, o vazio é maior do que eu e impede-me de ser imperturbável. Impede-me de não me sentir perturbada pelas memórias que tenho de ti. Tu não. Tu sempre decidido, nunca sonhaste comigo, por isso és imperturbável na vida que construíste. E, no fim de contas, ainda bem que assim é. Afinal, eu nunca fui importante.

Ao ver-te nesse quadro, na minha imaginação, sinto como os olhos ficam mais pesados e como a pintura se vai desvanecendo ao mesmo tempo que a minha consciência deixa de estar presente e se desliga... Adormeço.

Pintura: Il Bacio de Francesco Hayez. 

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