Embalo

Vejo-te sentado no sofá, sozinho, com essa fotografia na mão e surge em mim uma vontade de te rodear num abraço mais forte do que tudo. Isto mais não é que a minha imaginação que te desenha, sentado nesse sofá, com a fotografia na mão, apertada entre os dedos, enquanto choras. O teu semblante é tão diferente quando choras, quase que nem pareces tu. Pareces uma outra pessoa que nunca vi. Mas, eu sei que és tu.

Como choras, meu amor. Imagino que ficaste assim depois de algum telefonema. Era expectável que acontecesse, mas nunca sabemos quando vai ser, nem sequer pensamos como será quando isso finalmente acontecer. E, vejo-te, assim, a chorar, de olhos fechados, como se dessa forma conseguisses vê-la à tua frente e ganhasses a ilusão de que ela ainda está viva.

Meu Deus, como te quero embalar. Rodear-te com os meus braços e embalar-te ao de leve, enquanto sinto as suas lágrimas que me molham a blusa. Bem sei que o meu embalo não te tirará essa dor, nem a amenizará, mas esta seria a minha forma de te mostrar que não estás desamparado e que eu acompanhar-te-ei sempre nessa tua dor enquanto não a aceitares, enquanto não integrares esta tua perda. Como gostava de te poder trazer bem perto do meu peito, enquanto te beijo o cabelo. Como se dessa forma pudesses sentir alguma doçura. É possível senti-la mesmo quando se sofre, sabias?

Como gostaria de te ser essa ligação à vida quando estás tão perto da morte. Sentir a tua face no meu regaço e passar os meus dedos pelo teu cabelo, enquanto deixo de ouvir os teus soluços e sinto como a tua respiração vai ficando mais calma. Amparar-te enquanto adormeces ao meu colo, sabendo que aquela é a tua maneira de descansares no meio de tanta exigência.

Imagino como te embalo, sentindo cada ponto do teu corpo como se fosse meu. Sinto a tua dor como se fosse minha e por isso quero dizer-te que saberemos lidar com ela. Quero dizer-to, mas as palavras não me saem... Como tantas vezes acontece, as palavras ficam presas na minha garganta. Mas, também sei que me sabes ler. Que sabes decifrar o que te quero dizer, por isso deixo de tentar dizer o que quer que seja.

Apenas te quero sentir aqui, junto a mim, os meus lábios na tua testa, os teus braços que me rodeiam, como a uma tábua de salvação. Como se naquele momento essa fosse a única forma de estarmos vivos no meio da morte, sem ter qualquer noção do tempo que passa.

Imagino tudo isto, como imaginei tanta coisa. Que presunção minha em querer embalar-te. Bem sei que terás alguém que te oferecerá o seu abraço e que , por momentos, estarás bem e protegido de tudo. Desejo que te embalem e que te sintas sempre perto dela, como nessa fotografia que seguras, em que estão sentados ao lado um do outro num banco... Parece um banco de jardim... Como são mais novos... E como o teu ar é divertido! Aí, vejo o teu sorriso. Esse que eu um dia conheci. 

Desejo que te embalem. Que nunca te deixem de embalar no meio da tormenta ou quando o mar estiver calmo. Que te embalem, sempre, de forma cuidadosa e prazerosa... de forma leve e singela, mas ao mesmo tempo firme e sem qualquer hesitação.

Eu apenas te continuarei a embalar na minha imaginação, na minha vida inventada e cheia de cor. Deus... Como é bom ter-te nos meus braços.

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Pintura: Peter Wever

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