Carta a Ti II

Tenho pensado muito em ti. Ou, melhor, voltei a pensar muito em ti.

É por isso que te escrevo. Tens estado comigo, nos meus pensamentos, mais do que é habitual.

Espero que nada se tenha passado. Oh! Mas, o que poderia ter acontecido? Tu estás bem, na vida que escolheste, sem qualquer resquício do que fomos. Talvez se tivesses um qualquer grão de pó daquilo que nos aconteceu não estivesses tão bem. Como se nada se tivesse passado. É muito melhor assim. É assim que sempre foi, que sempre será. Não haverá uma qualquer surpresa de que voltes, de que me pegues na mão e me faças sentir-te como eu nunca senti. Eu sei que não... Escrevo isto como... É uma alternativa da minha imaginação àquilo que eu vivo. Àquilo que tu vives.

Sabes, eu gosto muito de imaginar alternativas. Por vezes, enquanto construo uma outra vida com a minha imaginação é muito apaziguador. Com a minha imaginação eu consigo ver-me num outro local, a fazer outras coisas, com outras pessoas... contigo. Quando aparecias eu apagava logo tudo na minha imaginação. Agora, não. Agora deixo-te estar e imagino-te comigo. É cruel, mas dá-me algum sonho. Naqueles segundos é bom. É que estarmos juntos, seria sinal de que tudo tinha valido a pena.

É, de facto, ou melhor, deve ser, de facto, muito apaziguador sentir-se isso, não é? Que tudo tenha valido a pena para que fosse possível alcançar algo, alcançar-te, digo eu. Sou muito tonta, eu sei. Creio que agora já não me volto a enganar e já não serei tão tonta. Mas, olha, diz-me, tu sentes isso, não é? Sentirás tu que tudo o que fizeste valeu a pena para estares onde estás? Eu acredito mesmo que sim! Gostava de te o poder perguntar e, depois, gostava mesmo que me dissesses como é essa sensação. Oh, por certo não conseguirás explicar-mo, mas gostava mesmo de saber. Teria mesmo a certeza de que tudo não passou de uma audácia minha.

Equacionar sequer que poderias... que poderias gostar de mim. Se lesses isto estarias a rir agora. E com razão. Concerteza, não saberias que eu era tão ingénua e sonhadora. Mas, é verdade. Eu era mesmo assim: tão ingénua e sonhadora... Só assim poderia ter-te entregue o meu coração. É claro que não o sabias. Se o soubesses terias evitado tudo, tudo. E seria muito melhor, eu teria ainda ingenuidade e sonhos. Para se estar como estou, agora eu sei, é mesmo preciso ter alguma ingenuidade e alguma capacidade de sonhar.

Penso que... Hoje... Penso mais em ti, porque... Hum... Por certo, já não sabes do que te vou falar, mas hoje... sabes, hoje ouvi aquela canção que eu elegi para nós. Não sei bem se alguma vez chegaste a perceber como eu gostava daquela canção e como fazia para mim sentido naquilo que estávamos a viver. Oh! Claro que não sabes, mas... Hoje ouvi aquela canção que eu escolhi para aquilo que estava a viver contigo. É que... ela dizia mesmo tudo o que eu pensava e sentia naquela altura. Como uma canção dos anos 30, na voz de Frank Sinatra, poderia ser assim tão poderosa? Tão poderosa e tão atual... Mas era. Era uma das minhas canções favoritas, agora é bem capaz de se ter tornado a minha favorita. Cada vez que a oiço na rádio lembro-me de ti.

Em suma, creio que foi por isso que senti esta urgência de te escrever esta carta que nunca vais ler. Vês? É a minha forma de falar contigo, tenho consciência de que esta carta é como uma daquelas que se enviava, dentro de uma garrafa, pelo mar: nunca chega ao seu destinatário.

Estou com a tua voz nos meus ouvidos, volto a dar-te a mão e sussurramos.

É mesmo bom imaginar que seria possível.

Não te preocupes que eu tenho mesmo consciência. Ao mesmo tempo que a minha imaginação me apazigua, a minha consciência acorda-me sempre de forma dolorosa.

Um abraço, Deus como gostava de te abraçar! E... permite-me... e um beijo... um beijo onde nós sabemos.

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Imagem: "A Carta" de  Federico Zandomeneghi

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