A Caminho de Casa
Começo a andar rumo a casa e sinto o leve vento que me adorna a face e distrai, fazendo com que não desista do meu caminho. Subitamente, uma ideia vem-me à cabeça, não sei bem porquê. As pessoas estão cansadas. Noto isso todos os dias. As pessoas têm um ar cansado, farto, saturado. Pelo menos a maior parte das pessoas com quem cruzo deixam-me esta razão. Tal como eu, concerteza. Não sou diferente da maioria das pessoas. Também eu me sinto cansada e por mais tempo que tenha parece que o cansaço está no interior dos meus ossos. Eu vejo o cansaço na face das pessoas, nos seus olhos, nos seus cabelos. No vagar do seu andar.
O meu pensamento é interrompido pelo barulho da porta de um carro a bater. Uma mulher sai lá de dentro, a cambalear, enquanto que o carro segue o seu caminho. As prostitutas deambulam por ali àquela hora de fim de tarde. Não sei se estão a regressar, como esta, ou se esperam alguém ou se é, para elas também, o fim de mais um dia. É frequente irem contra os respiradouros amarelos do aqueduto, mas comportam-se como se nada fosse e continuam a cambalear em frente, os olhos perdidos e os cabelos desgrenhados.
Mas, neste caminho também vejo, mais à frente, as camionetas que se preparam para sair para a paragem. Neste início da minha caminhada ando com o passo largo. Vejo uma criança sozinha, deve ter à volta de dez anos, ainda de fato de treino, de certo que terminou há pouco o seu treino de futebol. O rapaz não sabe bem por qual autocarro esperar. Junto a um bate na porta fechada. De lá de dentro o motorista diz-lhe algo, mas, depois ele acaba por abrir a porta e o miúdo entra no autocarro que era suposto não levar ninguém até chegar à paragem de partida.
Sorrio.
Ainda há gestos bonitos.
Continuo a caminhar distraída não só com o vento na minha face assim como com aquilo que vou vendo. Os comboios passam, muita gente entra e sai na estação que se encontra do meu lado direito.
Já mais à frente, longe da azáfama da entrada e da saída da estação, uma jovem está de telemóvel na mão à beira da estrada e, por momentos, estranho quando um carro se aproxima. Por vezes, surpreendo-me como sou capaz de pensar de imediato o pior. Apercebo-me que é a sua boleia e maneio a cabeça. Porque raio tinha logo de pensar que não era algo bom?
Olho em frente e vislumbro um grupo de jovens adultos. Por ali, a esta hora, já não passa muita gente, o que faz com que eu queira mudar imediatamente para o outro lado da rua. Estou sozinha e, confesso, tenho medo. Por muitas vezes que passe por ali, tenho sempre medo de grupos de jovens, sem ninguém à volta. Decido seguir ao seu lado, parece-me que estão bastante distraídos com a sua conversa.
Suspiro.
Acaba por correr bem. Não dão conta de mim sequer.
Por esta altura do caminho, penso que me falta tanto para chegar ao destino. Começo a sentir o cansaço
e diminuo a velocidade. Depois de um dia de trabalho, não me é fácil ter energia ao fim do dia. Vou olhando ao redor e reparo num anúncio que está colado junto à porta do prédio: "cuido de crianças" e segue-se um número de telefone. Por estes lados, ainda há quem não tenha receio da polícia e continua a querer cuidar de crianças. A ser uma ama. É verdade que muitas mães têm mais de dois trabalhos, saem de madrugada e chegam de noite. Quem pode ficar com os seus filhos? Há vidas que não permitem o horário regular das creches existentes. Faz-me pensar quão grande é e a desigualdade para que seja necessário alguém trabalhar horas a fio para colocar comida na mesa.
Sigo o caminho e noto, ao fundo, no passeio junto a uma rotunda, um rapaz de telefone na mão. Automaticamente, considero que o rapaz é mais inteligente do que eu porque decidiu ir para algum lado de carro através destas aplicações modernas. Quanto mais me aproximo, noto que as suas mãos não estão quietas assim como ele próprio que roda a cabeça em todas as direções. Concerteza que estará à espera de alguém. O seu ar está também casando e tem os olhos muito abertos. Quando passo por ele, oiço um som ininteligível que sai da sua boca e vejo uma mulher mais velha, que se aproxima, com uma nota na mão.
"Estava a ver que não vinhas!", oiço a voz do rapaz pela primeira vez. Não me parece sóbrio.
"Não estava sozinha", diz a mulher meio ofegante.
É melhor nem pensar ao que vem.
Ainda falta algum tempo para chegar ao meu destino mas, agora, pelo menos, estão uns canteiros com umas flores muito bonitas ao longo da avenida. Agora, cada vez que a percorro a pé foco a minha tenção nos canteiros. Há suculentas, há flores brancas e outras vermelhas. Detenho-me sempre nas vermelhas, estão tão bonitas.
Do fim dos canteiros até ao meu destino já levo pouco tempo. É tudo confuso, às vezes pode meter medo, mas é neste caminho que me sinto próxima das pessoas, daquelas que muitos não querem ver, mas, quem sabe, se não serão a maioria?
Quando me for embora daqui vou sentir falta disto. Falta de estar perto desta realidade que existe e que muitos insistem em não querer ver. Próxima desta realidade que me ensina todos os dias que não somos todos iguais e que não temos ou tivemos as mesmas oportunidades. Próxima daquilo que me torna mais humana. Sim. Vou sentir falta deste sítio e deste caminho.
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