Boa Sorte, Menina

O cansaço das pernas fazia-me andar mais devagar do que devia. Mas, naquela altura do percurso fico sempre cansada e as pernas pesam-me, o que me faz não querer saber se levo mais dez minutos a chegar a casa. 

Vejo, no meio da rua, um homem que cambaleia. Bem sei o que é. É fim de tarde, por aquelas ruas há alguns cafés e é mais do que comum que alguns comecem a cambalear pela rua inebriados pelo álcool. Alguns falam alto, outros não dizem nada. Hoje, a rua só o tinha a ele. Parece-me velho, o cabelo é branco, magro e veste um fato, já com a gravata meio solta. Este tipo de coisa já não me surpreende ou amedronta. Assim que me aproximo oiço-o a fazer um barulho estranho, como se estivesse a chamar alguém, mas não era bem um nome, parecia um autêntico grunho. Não liguei nenhuma. Assim que passo por este homem oiço "Boa Sorte, Menina" e outra vez aquele grunho.

Nem sequer virei a cara na sua direção. É verdade. Poderia ter-lhe agradecido ou ter feito um simples gesto com a mão, como faço tantas vezes. Porém, não o fiz. Estranhei o que ele me disse e apenas segui em frente, com as pernas cada vez mais pesadas e com uma pergunta na cabeça: o homem desejar-me boa sorte foi bom ou mau?

Isto da sorte é para mim incompreensível. Eu sei que ela faz parte da vida, de situações, de alturas, de momentos. Sim, mas o que é isso de ter sorte? Estará a nossa existência às mãos do acaso? A sorte é fruto do acaso. Não há uma qualquer explicação racional para a sua existência. Se assim não fosse como se poderia explicar que uns a têm e outros não? Quão caprichosa tem de se a sorte para ser ela a decidir a quem se dá? Porque não poderemos todos nós ter um pouco de sorte?

Reconheço a sorte de ter encontrado algumas pessoas no meu caminho e de as ter comigo, claro. Não sou ingrata. Mas, todos nós conhecemos alguém que precisa de trabalhar pouco, que não precisa de ter muita crença para conseguir ter o que a faz feliz. As coisas acontecem-lhe, pelo seu contexto, pelas suas raízes ou, simplesmente, porque é assim.

Segundo o Dicionário Priberam a origem da palavra sorte vem do latim sors, que significa "(...) objecto para tirar algo à sorte, boletim de voto, resultado da tiragem à sorte, predição, quinhão, destino, classe, condição)". Parece-me que até a própria definição do latim não é concreta. A sorte parece poder ser tanta coisa. Tanta coisa que nem se consegue definir propriamente.

O estranho de tudo isto é que, no fundo, a vida faz-se desta coisa que não se define, mas que existe.
Creio que seja por isso, e por vezes, tão inglório viver. Não quer dizer que não se tente seguir em frente, traçar objetivos, tentar ser melhor. Mas a sorte... É a sorte que proporciona, por vezes, aquilo que queremos: um encontro momentâneo que se torna permanente, uma conversa que abre portas para o futuro, o inesperado que nos dá a certeza de que viver é muito diferente de sobreviver.

A sorte é caprichosa. Dá-se a quem ela entende, quando e se quiser.

Talvez o homem tenha dito "boa sorte, menina", porque não tinha mais nada para me dizer ou porque através do seu estado inebriado percebeu o meu olhar cansado e desesperançado. E lembrou-se de me dizer isso da mesma forma que me poderia ter dito que estava uma bela tarde. 

O mais provável é que as palavras do homem não sejam boas nem más. São inócuas, nem sei bem porque é que elas me ficaram na cabeça. Talvez porque só se deseja sorte a alguém quando se joga no euromilhões, quando se aposta numa mudança ou quando se casa. Eu não estou em nenhuma dessas situações. Talvez por ter sido inusitado, as palavras me tenham ecoado na cabeça: Boa sorte, menina.

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