A Fuga à Minha Sina

Da pequena janela vejo aquilo que é a vida normal. Pessoas que chegam, pessoas que partem, pessoas que se abraçam, pessoas sozinhas que olham para o horizonte, como se isso lhes permitissem chegar mais rápido a onde é suposto. 

Hoje tive saudades tuas. Ui. Sim, tive mesmo saudades tuas. Daquelas que nos apertam o coração e que nos fazem descer da nossa habitual pálida e gélida postura.

Hoje tive mesmo saudades tuas.

É avassalador dar-me conta disso. De sentir saudades tuas. Pela primeira vez, em tanto tempo, percebo como sinto falta daquilo que me davas: desse entusiasmo, por vezes assoberbado, mas que me dava a sensação de ter a vida nas minhas mãos. Também tenho saudades de me sentir assim, mas essas saudades já eu tinha descoberto há algum tempo. 

Agora, estas saudades de ti... foi hoje. Sem nenhum motivo aparente, que me fizesse lembrar-te eu senti tanto a tua falta. Senti falta de ouvir a tua voz. A tua voz que me surpreendia sempre, nunca esperava que a fosse ouvir novamente. Pensava sempre que a nossa conversa anterior seria a última. Tinha em mim esse pensamento, sabes? Sabia que estávamos condenados ao efémero. Então, sempre que ouvia a tua voz, distinta de tudo o resto, quando atendia o telefone, era como se tudo ganhasse mais encanto. Afinal, ainda não tinha sido desta que nos esqueceríamos um do outro.

Esse inesperado... esse teu dom de me apanhar sempre de surpresa. Como tenho saudades de ser surpreendida. Desde que partiste perdi essa vantagem de ser surpreendida, como se tudo fosse um livro escrito. Mecânico, sem enganos ou voltas atrás. Desde que me levaste contigo foi isso que ficou: a certeza de que por mais que tente fugir, está tudo ditado. 

Faz parte do ser humano querer fugir à sua sina, principalmente se não a aceita. Tu foste a fuga à minha sina. Acreditei mesmo que por uma vez ia conseguir fugir a esta precoce melancolia. Nunca poderias imaginar o quanto tudo aquilo significava para mim. Nem eu quis acreditar. Tenho tantas saudades de que me leves a fugir da minha sina.

Tenho saudades de ti. Do teu olhar, de como ficámos a olhar um para outro como se dessa forma nos descobríssemos. E isso foi verdade. Quando me repeliste foi tão fácil vê-lo nos teu olhar. Ainda hoje em dia ele assombra-me. Foste perspicaz e não disseste mais nada. E não foi preciso. Eu vi. Eu vi que tudo tinha mudado. Às vezes, este assombro ganha mais vida na minha memória e esqueço-me que foi pelos teus olhos meigos e maravilhosamente inebriados, mas ao mesmo tempo sedutores, que eu me apaixonei. Talvez, seja por isso que chore tanto a tua ausência. Porém, hoje dei-me conta de que tinha saudades desse teu olhar nu e cativante.

Das tuas histórias... de te ouvir contar histórias, sabendo que não me dizias tudo, que as tuas culpas estavam escondidas. Nunca as partilhaste comigo, mas, também, no teu olhar eu sabia que as carregavas contigo. E eu amava-te por isso, sabes? Por teres uma vida com erros. Isso tornava-me mais próxima de ti.

O desenho das tuas mãos ainda está impresso no meu corpo, sabias? Depois de todo este tempo ainda consigo percorrer as suas linhas com os meus dedos, mas agora é tudo diferente. Aqui também o encanto desapareceu, mas... Como tenho saudades das tuas mãos onde não há medos nem imperfeições.

Como tenho saudades tuas. Do teu sorriso. De me sorrires. Não saberás por certo o tamanho da minha saudade quando fecho os olhos e ainda te vejo com o sorriso aberto, que me fazia desvanecer e adormecer no belo sonho do idílico.

Agora que vejo a vida das pessoas a multiplicarem-se por uma série de histórias, sinto toda esta saudade a tomar conta de mim, completa e inequivocamente.

Tenho saudades tuas.

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