A Minha Avozinha Rosinha

Nos rigorosos dias do mês de Dezembro, aqueles mesmo próximos do Natal, o frio entrenha-se no ossos. No entanto, creio que nem esse frio húmido, nem o nevoeiro que cai, perto de anoitecer, faz parar qualquer criança. Também fui assim. Mais do que a lembrança de um nevoeiro cerrado, de um frio que tornava a minha cara vermelha e a ponta do nariz gelada, é a liberdade de andar pelos caminhos de que mais me lembro. E a aventura que era estar com a minha avozinha à procura de pinhas. Era, na maioria das vezes, uma procura que dava poucos frutos. Mas, ir com a minha avozinha andar e sempre a espiar a beira da estrada para ver se alguma pinha tinha caído ou irmos junto dos pinheiros à procura desse tesouro, alegrava o dia. E a minha avó sempre com o seu ar doce e o seu sorriso meigo lá ia, à procura também. Sempre muito atenta. A maior parte das vezes, a procura das pinhas servia para a lareira, para atiçar o lume. No entanto, lembro-me que houve uma vez em que vi pinhões e tive-os na minha mão! Para mim aquilo foi fascinante. Era uma criança que estava habituada a ver pinhões na mesa não a retirá-los das pinhas. Fiquei tão contente e escusado será dizer que os pinhões desapareceram num instante. Ainda hoje, os pinhões são os meus frutos secos favoritos. E sempre que tenho a oportunidade de os comer (sim, porque eles são tão caros que comê-los é uma raridade!) vem-me sempre à memória os passeios com a minha avozinha à procura de pinhas. E de estarmos juntas, na lareira, a aquecer os pés e as mãos para podermos ir para a cama.

E que saudades que eu tenho da minha avozinha Rosinha. O que mais me lembro é mesmo do seu sorriso meigo e de como sempre aceitava brincar comigo. Mesmo quando eu era muito chata, sempre a querer fazer qualquer coisa, não me lembro de alguma vez a minha avozinha se ter recusado ao que quer que seja. Nunca! Mesmo quando eu meti na cabeça que a tinha de ajudar a escrever mais, ensinando o alfabeto e, depois, a compor frases. Ela nunca me disse que não, mostrando-me uma bondade e paciência infinitas. Creio até hoje que a minha avozinha foi a primeira pessoa a mostrar-me o que é ser bom e generoso.

Ultimamente, tenho pensado muito nela. No seu sorriso e de como nós gostávamos de falar uma com a outra. Como eu gostava de estar do seu lado e de lhe dar a mão. As mãos da minha avó sempre me fascinaram. As mãos velhinhas, com a pele enrugada, eram tão diferentes das minhas. E brincava com elas, puxava-lhe a pele ao de leve, e, mesmo que fosse incomodativa, a minha avozinha nunca se queixava. Ao olhar para as suas mãos pensava que por elas já teriam passado tantas coisas. O trabalho duro da terra estava impresso nas suas mãos, mas, ao mesmo tempo, tinham uma delicadeza de uma senhora. Não sei bem explicar, mas sempre as vi assim.

A avozinha Rosinha era muito engraçada. Ria, ria e ria. Quando a história era boa não havia maneira de ficar triste perto dela. E gostava tanto de jogar! Ela ensinou-me a jogar à bisca e à sueca. Muitas horas passámos nós a jogar. Sempre que estávamos as duas, sabíamos que podíamos sempre "botar" umas cartas. E era sempre tão divertido! Fosse na Amadora ou em Rio Mau. Não importava o lugar. Um dia ofereceram-me dois naipes de cartas e eu fiquei contente. Sabia que os podia estrear com a minha avó.

Hoje em dia, costumo dizer que a única coisa de que gosto em mim é do meu cabelo. Às vezes, quando me penteio em frente ao espelho, a minha memória vai buscar aquela imagem que, para mim, será sempre uma das melhores da minha avó: ela, sentada à beira da cama, a desenrolar o seu puxo. Os seus cabelos grisalhos eram enormes e sempre que ela desenrolava o seu puxo eu olhava para ela. O seu cuidado a desembraçar o cabelo, depois passava com um pente pequenino, muito concentrada, para finalizar. Com todo o cuidado, ela voltava a juntar  o cabelo, que lhe dava até à barriga, e, calmamente, voltava a enrolar o puxo. Eu admirava sempre este seu cuidado e achava-o lindíssimo. A minha avozinha mostrava uma beleza tão humilde que, este seu gesto, ficou-me sempre na cabeça. Anos depois, quando cortou o cabelo muito mais curto, porque seria mais fácil de tratar, eu fiquei triste. Pensei sempre que não condizia com ela. Para ser sincera, não sei se ela própria gostava de ter o cabelo tão curto, mas, com a sua infinita doçura ela continuava a ser muito bonita. 

Se pudesse voltava a nascer para não fazer a maior parte das coisas que fiz. Mas, uma das poucas coisas que nunca mudaria era a minha avozinha Rosinha, de quem sempre recordo o seu sorriso e a sua alegria, as suas mãos, o calor do seu regaço e a sua bondade infinita.

Tenho muitas saudades da minha avó. E são muitas as vezes em que me pergunto o que diriamos uma à outra aos dias de hoje se ela fosse viva. Seria sempre importante para mim ouvi-la e sei que sentiria o seu carinho, o qual, para mim, seria um bálsamo. Tenho muitas saudades dos seus olhos doces. Creio que a minha avozinha Rosinha foi, também, uma das pessoas que mais me ensinou sobre o que é amar, não permitindo que o meu coração pudesse crescer duro como pedra. Esse será um dos seus maiores presentes.

Nota: Tenho pena de não ter muitas fotografias com a minha avozinha e esta foi a que estava mais à mão...

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