O Peso das Máscaras Sobrepostas



Durante muitos anos não conseguia compreender como é que alguém era capaz de cometer suicídio. Não conseguia racionalizar o que poderia levar a alguém a tirar a própria vida. Pensei muitas vezes que isso era sinal de fraqueza. Não no sentido depreciativo, mas no verdadeiro sentido da palavra. Ou seja, quem se matava, fazia-o porque não era forte o suficiente perante as adversidades.
Com o tempo e com os anos, o amadurecimento das ideias e as vivências mostraram-me que o suicídio não é sinal de fraqueza nem de força. O suicídio é o resultado da própria dor.

Quanta dor é o ser humano capaz de suportar?

Concerteza, a capacidade de sofrimento varia de pessoa para pessoa. Cada uma com as suas vivências, cada uma com a sua história, cada uma com os seus traumas, cada uma com as cicatrizes. Sim, porque as cicatrizes de um não são iguais à do outro. Por muito que ambos tenham passado pelo mesmo. Por isso, eu irei encarar a dor de maneira diferente do que o meu vizinho.

Nesse confronto com a dor e connosco próprios podemos vencer, podemos permanecer num combate constante durante toda a nossa vida, ou podemos perder. Não sei, sinceramente, se o suicídio será perder. Não sei. Creio, profundamente, que quem se suicida o faz porque pensa que a sua vida é inútil, que não fará falta a ninguém ou ao mundo, que será muito mais apaziguador parar com a sua dor, que todos estarão melhor sem ele.

É que... Na verdade... Lidar com a dor é extenuante. É muito cansativo. Há dias, concerteza, em que se pensa que a dor vai ser ultrapassada. Vamos conseguir ultrapassar esse fardo e deitá-lo para trás das costas. Depois há dias em que deve ser aterrador equacionar que se terá de viver com essa dor para o resto da vida. E, por fim, haverá momentos em que esse cansaço do sofrimento toma conta das pessoas, transforma-se em angústia e não se consegue continuar a viver com isso.

No fundo, é como se se chegasse à seguinte premissa: a condição do viver é intrínseca à do sofrer. Acreditar nisto deverá ser demasiado esmagador. É aqui em que não se consegue ver ou viver para além dessa dor constante, não se consegue olhar para fora de nós próprios.

É certo que existe um certo estereótipo relativamente a quem comete suicídio. Pelo menos eu cresci com ele, penso que, agora, essa é uma imagem não tão comum. Mas eu cresci com a imagem que aqueles que se matam são pessoas sozinhas, que não falam com ninguém, têm famílias disfuncionais, têm poucos amigos, passam despercebidos no mundo.

No entanto, não é nada assim. Quantos não serão os casos de pessoas com uma família enorme, bem sucedidas, sempre a sorrir... Mas, falta sempre algo. Há sempre algo que falta que depois é preenchido pela tal dor. Ou, por outro lado, não é preenchido por nada e fica apenas no vazio.

A capacidade do ser humano em dissimular a dor pode ser surpreendente. Na verdade, acredito piamente que as pessoas apenas mostram o que querem por mais transparentes que o sejam. É assim. Qualquer pessoa é capaz de esconder a dor que tem intrínseca à sua existência. Porque foram muitos anos a dissimular, ou porque têm de a esconder porque não querem preocupar ninguém, ou porque colocam o bem do outro acima do seu próprio. Afinal de contas quem quererá sobrecarregar os demais com o seu sofrimento? Não. As pessoas têm de estar conectadas com o bem-estar, não com a dor.

Esse dissimular quando se torna num hábito é perigoso. É demasiado perigoso. Afinal, ninguém se transforma num ator durante toda a sua vida. Nunca ninguém conseguirá representar durante vinte e quatro horas por dia, sem parar, em todo o local. Não. Essas máscaras que se põem e sobrepõem vão tornar-se demasiado pesadas.

Só queria com esta reflexão dizer a todos aqueles que sofrem, seja por que motivo for, não dissimulem. Bem sei que não conseguem ver para além da vossa dor. Quem sabe se algum dia o conseguirão fazer... Isso ninguém o sabe. Mas, como primeiro passo, não dissmulem a vossa dor. Nem que seja apenas com uma pessoa da vossa confiança. 

Também sei que essa pessoa que escolherem poderá ficar surpreendida com a vossa dor e poderá nada dizer de concreto... E poderão deixá-la preocupada convosco. Sim, é verdade. Mas, acreditem, ninguém é obrigado a dissmular a sua tristeza se está profundamente triste. Confiem nessa pessoa. Mesmo sabendo que a deixam preocupada. Confiem nela para demosntrarem a vossa tristeza. Porque o ser humano também é tristeza. Não á apenas e só alegria e vontade de ir em frente. Não, Não é, de todo. O ser humano é também dor. Não tenham vergonha de mostrar a vossa dor. A pessoa que escolherem para o demonstrar irá aceitá-lo. Sabem porquê? Porque da mesma maneira que todo o ser humano sente alegria, todo o ser humano sente tristeza. Pode é não falar sobre isso. Mas sabe o que é sentir essa tristeza. Pode também não ser com a mesma intensidade, e Deus queira que não o seja!, mas sabe o que é estar triste. 

Alguém vos deverá conhecer sem terem de colocar a vossa máscara todos os dias, a todas as horas. Não sei se essa será a solução para lidar com a dor ou, pelo menos, parte da solução. Porém, mal não fará.

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