Suspiro

Estou no meio de papéis velhos. Sentada no chão da sala, tento perceber o que raio quero fazer a tudo aquilo que está à minha volta. Sei que devia deitar tudo fora, afinal de contas para que quero manter trabalhos e cadernos velhos? Suspiro. Desfazer-me de tudo isto implica ter de ver se não há nada de importante aqui no meio e, para ser sincera, estou cansada.

Encosto-me à parede do corredor e oiço como a chuva cai lá fora. O tempo está demasiado doentio. Um calor abrasador acompanhado por nuvens pesadas, que quando bem entendem decidem descarregar toda a água que carregam.

Sinto-me cansada de não me sentir bem. É no mínimo curioso como consigo ter duas faces distintas. E eu sei como o faço bem... Há demasiado tempo que é assim. No fundo, creio que já me habituei a mascarar a minha tristeza: finjo um sorriso, enxugo as lágrimas, rapidamente, dissimulo a dor que trago no peito. Às vezes consigo fazê-lo por horas a fio e nunca ninguém se apercebe.

"Estás tão bonita", oiço por vezes dizerem-me. Sei bem que mo dizem de forma simpática e cuidadosa. Se soubessem como me sinto por dentro... destruída. Tal e qual como uma folha de papel queimada ao sabor da fogueira.

A mágoa que me preenche é sempre demasiado forte. Há sempre uma altura em que ela vem ao de cima. Invariavelmente, há sempre uma ocasião em que ela se revela na sua plenitude. Não há um tempo específico, uma previsão certeira para que ela apareça. Às vezes é uma simples leitura, outras vezes é uma leve recordação... Às vezes até é uma conversa de uma outra pessoa qualquer que me faz recordá-lo. E aí as emoções estão todas à flor da pele. 

Como é que ele estará... Gostava tanto de saber... Talvez dessa forma pudesse atenuar o aperto que trago no peito. Talvez pudesse voltar a sentir a harmonia que perdi... Nem que fosse por um breve e pequeno momento.

Suspiro, novamente.

Aqui estão: as lágrimas.

As noites são sempre difíceis. Talvez pela sua calma, pelo silêncio, pela sua escuridão. A ausência do movimento e da luz, transporta-me sempre para aquele tempo... Aquele tempo onde o entusiasmo era latente. Apenas o facto de o meu coração bater era motivo de contentamento, de expectativa... E tu... Sempre com a tua alegria, a tua simplicidade, a tua intensidade. Foste como um poema, que me envolveu nas suas belas palavras, dando-me sentido.

No fim de contas, tu eras o único que sabias o que querias, verdadeiramente. E apenas fizeste o que pensaste ser suficiente para o ter. Eu não. Escondi a minha sensibilidade, fechei-a a sete chaves e pensei que conseguia ser diferente.

É meio estranho isso, não é? Pensar que aquilo que somos nos impede de fazer aquilo que nos faz sentir bem. Como se aquilo que somos, fosse o principal travão a sentir essa vida. Seremos nós capazes de ser a morte? Eu serei a morte em vida? 

Que fardo, não?

E estou tão cansada desse meu fardo.
Estou exausta de ser o que sou.

"Tens de ser forte" é o que todos me dizem. Mas, e se eu já não quiser ser forte? Porque é que eu tenho de ser forte? Haverá mal no mundo se só por uma vez, se por uma única vez, eu precise que alguém seja forte por mim? Será assim tão descabido pedir uma coisa dessas? Que pelo menos uma vez na vida alguém seja forte por mim?

Deus sabe como eu gostaria que assim fosse. Seria um verdadeiro presente. Poder demonstrar como sou uma pessoa fraca para que alguém me segurasse no seu regaço e me dissesse que tudo vai correr bem e que nunca mais estarei sozinha a enfrentar o mundo. A enfrentar-te.

Abro os olhos e reparo nos pequenos brincos que estão na prateleira da estante que acabei de esvaziar. Pego neles e detenho a minha atenção naquelas argolas que seguram uns corações pequeninos. Não consigo evitar as lágrimas que caem em catadupa. Meu Deus, como é possível que tudo se tenha desfeito ao longo dos anos? Todas as minhas ilusões, os meus sonhos, tudo aquilo que imaginava enquanto corria pelos campos verdes ao mesmo tempo que o aroma que emanava das árvores me preenchia os sentidos... Era tudo tão diferente, era tudo novo e entusiasmante. Desde pequena que sempre acreditei que o melhor ainda estava para vir. Como é que tudo morre conforme crescemos?

Não tenho quase nada. Pouco mais tenho do que quando era miúda. Dava o pouco que tenho para que pudesse voltar a sentir-me assim: cheia de vida, como se nade me pudesse deter na minha alegria e doçura infinitas.

Coloco a minha mão no peito e tento acalmar a minha respiração. Como eu gostava de nascer de novo, sem esta dor que me consome por dentro. Quem me dera que tudo pudesse ser distinto.

É como se por dentro estivesse com a minha alma esfarrapada, à espera de que esta pegue fogo para deixar de existir. Nessa espera tenho sempre as minhas máscaras. E vou usando-as para me proteger dos outros mas, acima de tudo, para proteger os outros de mim. Quem quererá alguma vez saber o que sou por dentro? Ninguém. E, por um lado, ainda bem que assim é. As pessoas precisam de estar rodeadas de vida. Só assim vale a pena andar aqui.

Pego num lenço de papel que tenho no bolso das calças. Enxugo as lágrimas e uma enorme dor de cabeça toma conta de mim. Raramente, tenho dores de cabeça. Deve ser do cansaço... Não dormir não é bom para ninguém.

Já não tenho forças. Começo a colocar toda a papelada de novo na estante. Nada irá para o lixo. Pelo menos por agora. 

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