Um Encontro Pouco Casual III - "I've Got You Under My Skin"
L. está exausta. Têm sido meses demasiado difíceis. As
coisas estão a andar, mas ela preferia poder estar numa ilha, a viver numa
cabana à beira mar e a escrever livros. Sem grandes luxos, apenas paz de
espírito. Depois de tudo o que se passou e o que não se passou, além da tequila, que L. agora bebia muito mais
esporadicamente do que há uns meses, ela dedicou-se completamente ao trabalho,
entendendo que lhe restava pouco mais do que isso.
Tal como sempre acontecera.
Era
apenas a sua vida de sempre.
Este regresso ao seu quotidiano de sempre, demorou algum tempo a concretizar-se. O pior foi dominar a ansiedade e os impulsos de voltar a contactar C. Mas, L. tem sobrevivido, com momentos melhores, outros piores... Ela sabe que está onde sempre esteve. Sem grandes ambições, com o propósito de estar atenta aos seus. Isso será sempre o mais importante: não dotar a sua existência mísera do único propósito de dar cabo da vida dos outros. Se a sua vida é vazia de impulsos, de emoções, pelo menos ela tem de garantir que os outros têm a oportunidade de viver tudo isso e muito mais. L. deve ter esse papel de garantir que os outros arrisquem, não pensem em demasia, de fazerem o que sentem.
Este regresso ao seu quotidiano de sempre, demorou algum tempo a concretizar-se. O pior foi dominar a ansiedade e os impulsos de voltar a contactar C. Mas, L. tem sobrevivido, com momentos melhores, outros piores... Ela sabe que está onde sempre esteve. Sem grandes ambições, com o propósito de estar atenta aos seus. Isso será sempre o mais importante: não dotar a sua existência mísera do único propósito de dar cabo da vida dos outros. Se a sua vida é vazia de impulsos, de emoções, pelo menos ela tem de garantir que os outros têm a oportunidade de viver tudo isso e muito mais. L. deve ter esse papel de garantir que os outros arrisquem, não pensem em demasia, de fazerem o que sentem.
“Tens de fazer o que sentes” é o que L. mais diz aos seus...
Até agora, não tem corrido mal.
O telefone toca. Uma mensagem.
--
L. tenta regular a respiração, ao mesmo tempo que pisca os
olhos na tentativa de conseguir ver
alguma coisa. A sua visão turva, o seu
corpo quente e as batidas de coração que teimam em não ficarem mais espaçadas,
faz com que ela não tenha consciência de onde está.
L. decide fechar os olhos por um pouco mais de tempo,
apercebendo-se de como o seu corpo está molhado. Instantaneamente, ela sorri.
Agora sim. As imagens do que se passou
começam a regressar à sua mente.
Um arrepio percorre o seu torso e ela recorda-se de que está
nua. Sem uma única peça de roupa e o seu sorriso é maior. Agora ela é também
capaz de ouvir uma outra respiração que não a sua. Uma respiração que busca
também o seu ritmo normal.
L. abre os olhos e volta a fixar-se no tecto branco. Ela
nunca sentiu isto. Não sabe se será usual sentir-se isto... Esta satisfação
plena de quem encontrou o que sempre procurou. Como se tivesse sido desenhada
para ali estar, para se entregar desta maneira plena e sem barreiras.
- Estás bem?
A voz ecoa nos seus ouvidos como se fosse uma canção. Aquela
canção que entra de rompante e que fica em nós, como
se tomasse conta do nosso raciocínio. O seu timbre grave com aquela leve
rouquidão, quase inaudível, que sempre o caracterizou, invade o cérebro de L.,
retirando-lhe a possibilidade de lhe responder também com palavras.
Mas ela precisa de o ver.
Como ela precisa de o ver.
L. vira a sua cabeça de modo a que possa olhar para o dono
daquela voz. Antes de se fixar na sua face, L. não consegue evitar que os seus
olhos percorram aquele corpo nu, agora do seu lado, estirado na cama.
Finalmente, os seus olhos caem nos dele e ela não consegue parar de sorrir.
A intensidade que marca os olhos de C. mantém-se desde o
primeiro momento do encontro deles naquela tarde. O castanho dos seus olhos
parece que se torna ainda mais escuro pela forma como a prende, pela forma como
ele a está a tentar ler. L. sente que se pudesse aquele seria o último momento
da sua vida. Como é possível que apenas uns olhos sejam capazes de a fazer
perder o raciocínio? Perder o seu auto domínio? Perder as palavras, os
gestos...
L. apenas acena à sua questão, não parando de sorrir e ele
imita-a. O bonito sorriso com que presenteia L., faz com que ela se sinta a
pessoa mais rica deste mundo. A doçura e a sedução que C. é capaz de mostrar
num único sorriso é para ela estonteante. E saber que, naquele segundo, ele lhe
dá aquele belo sorriso por tudo aquilo que acabaram de viver faz com que L.
solte uma gargalhada sentido uma leveza que nunca antes tinha experienciado. A rir-se, ela roda para o outro lado, ligando o rádio
na mesinha de cabeceira, regulando o som para que este possa ser uma mera
presença.
Depois, ela volta a rodar todo o seu corpo
para C., puxando a almofada mais para si, colocando a mão debaixo da sua face,
ficando apenas a admirá-lo. Aconteceu. Tudo aquilo que ela mais queria tinha
acontecido. E como ela se sentia bem com isso... Sem sentimento ou qualquer sentido de compromisso.
Ela admira como ele coloca as duas mãos no cabelo, levemente húmido, e puxa-o
para trás. Depois, C. deixa cair os braços na cama, agora visivelmente mais calmo.
- E tu? Estás bem? - A pergunta de L. sai-lhe de forma irreflectida, como se tivesse
deixado de ter poder sobre as suas palavras.
Agora é a vez de ele gargalhar.
L. sorri também, estando ainda a tentar compreender que, de
facto, ela fez amor com C.
- Não me vais perguntar porquê tu? - A pergunta de C. traz-lhe de imediato à mente, a razão da
sua saída repentina daquela casa onde tinham estado juntos há meses. Na
primeira vez que tinham estado juntos, na verdade, com este simples propósito.
Mas que não o conseguiram cumprir, porque o fascínio, o desejo, e a incerteza
tomara conta de L.
- Porquê eu?
- Mas que pergunta é essa agora? – C. Pergunta-lhe enquanto
lhe beija o pescoço – Tu despertas em mim desejo, o que tem isso de errado?
- Nós não podemos fazer isto... temos de ser racionais, por
favor.
C. para e olha para ela. Passa as mãos pelo seu cabelo,
levanta-se e dá um passo atrás.
- OK.
- Nós não podemos estar a fazer isto aqui, C. . Como é
que... Tu não...
L. olha para C. e sabe que ele a vai respeitar. Ele não irá
atrás de si. L. pega nas suas coisas e sai daquela casa.
L. suspira, ainda com um sorriso na cara, fecha os olhos e
maneia a cabeça.
- Não.
- Não me queres perguntar nada? – L. consegue descortinar um
pequeno riso na voz de C..
- Hum... – calmamente, L. volta a abrir os olhos para que o
possa ver com cuidado – Foi bom?
C. Solta uma gargalhada e vira-se para L.
- Normalmente, são os homens que perguntam isso às
mulheres...
L. encolhe os ombros.
- Somos diferentes.
“I’ve got
you under my skin
I have got you, deep in the heart of me
So deep in my heart that you're really a part of me”
So deep in my heart that you're really a part of me”
Assim que a letra começa a fazer-se ouvir no quarto, L não quer acreditar que esta é a banda sonora daquele momento. Tal e qual como se fosse um filme.
C. acena ao de leve.
- Claro que gostei - Ele responde - Que intensidade, meu Deus. – C. diz
mais seriamente – não fazia ideia de que tinhas isso tudo aí
escondido...
"I'd tried so, not to give in
I said to myself this affair it never will go so well
But why should I try to resist when baby I know so well
I've got you under my skin”
But why should I try to resist when baby I know so well
I've got you under my skin”
L. aproxima-se e levanta-se um pouco da cama. A necessidade
de voltar a sentir o cheiro de C. toma conta de si. As pequenas palavras que
trocam fá-la lembrar que o tempo que têm não é ilimitado e que, muito
provavelmente, não mais se voltarão a ver. Portanto, ela apenas tem de fazer o
que puder para ter aquele cheiro consigo um pouco mais de tempo.
"I'd sacrifice anything come what might
For the sake of having you near"
For the sake of having you near"
L. leva os lábios ao braço de C., subindo até ao seu
pescoço, roçando a face naquela barba que será, para sempre, uma das coisas que
ela mais recordará.
Sentir o seu aroma mais uma vez é um bálsamo.
Foi tudo tão simples e tão rápido. Uma mensagem. Foi apenas
necessária uma mensagem para trazê-los até aqui, onde deveriam ter chegado
meses antes. Sem perguntas. Sem fascínio. Sem receios. Apenas e só a vontade de
ambos em estar juntos.
L. endireita-se e
olha para C. Os seus caracóis caem pelas suas costas e ela sente que é, de facto,
uma outra pessoa. Uma outra pessoa que está a fazer o que quer, com quem quer,
num qualquer local que ela não recorda. Afinal, isso não é o mais importante.
"I would sacrifice anything come what might
For the sake of having you near
In spite of a warning voice that comes in the night
And repeats how it yells in my ear"
For the sake of having you near
In spite of a warning voice that comes in the night
And repeats how it yells in my ear"
De forma cuidadosa, num gesto mais preciso e calmo do que
todos aqueles que C. teve para com ela naquela tarde, ele leva a
sua mão à nuca de L., massajando aí os seus caracóis. Um gesto leve e único,
algo que nunca nenhum homem com quem ela tinha estado o tinha feito.
"But each time I do just the thought of you
Makes me stop just before I begin"
Makes me stop just before I begin"
Com uma satisfação inigualável, L. fecha os olhos por
um momento e sorri ao de leve. Sentido como a face de C. se aproxima dela, L.
abre os olhos. Ela tem de ver novamente aquele castanho intenso que a tem
perdida.
Assim que o encontra expectante e sem receios, por um segundo L. volta a
perder-se, apenas retornando aos seus sentidos quando os lábios de C. tocam os
dela, de forma segura e inconfundível.
"Because I've got you under my skin
Yes, I've got you under my skin"
Yes, I've got you under my skin"
--
--
Imagem: "A Sesta" de Almada Negreiros.
I've Got You Under My Skin - Frank Sinatra
Comentários
Enviar um comentário