Um Encontro Pouco Casual

A meia luz da sala dá a sensação de que está sozinha. Como em tantas outras situações isso não a preocupa. Afinal sempre foi assim.

L. pega no copo que está meio vazio e leva a cerveja à boca. Há poucas coisas que conseguem saber-lhe tão bem quanto uma cerveja a meio da noite. L. quase que termina o copo quando decide que ainda quer ali estar mais um pouco a bebericar o resto da cerveja. Pelo menos até ele regressar à sala. 

Ela só o quer ver como se fosse a última vez. Será, concerteza, a última vez. Depois, não valerá a pena prolongar seja o que for.

Com um ar descontraído ele entra na sala. L. nota como ele traz aquele semblante despreocupado, como se nada se passasse. Na realidade, nada ainda se passou. Mas, L. sabe que tudo vai acontecer no escasso tempo que estiverem juntos. L. não pode perder esta oportunidade. Esta é a oportunidade de se sentir viva e se não for com C., não será com mais ninguém.

Os seus olhares encontram-se mesmo com a pouca iluminação existente na sala. Rapidamente, C. está junto de si, com aquele sorriso aberto que a faz estremecer. Sempre o fez, na realidade, mesmo que mais ninguém o saiba sem ser ela.

L. sorri-lhe de volta e calmamente desvia-se para que ele se possa sentar ao seu lado. C. traz a sua cerveja e coloca-a em cima da mesa, que está à sua frente. 

Cumprindo o preceito da boa conversa que sempre existiu entre ambos, falam de trivialidades, até que C. dá o passo seguinte e fala sobre si.

Por um breve momento, L. não se sente empolgada com a ideia do que poderão fazer quando saírem da sala e forem para o quarto. Na verdade, o simples facto de C. estar a partilhar com ela algumas das coisas da sua vida, faz com que L. se sinta importante. Coisas que ela não precisaria de saber se ambos apenas se quisessem ter um ao outro. Subitamente, L. apercebe-se do fascínio que começa a sentir por C. apenas e só com a abertura que ele lhe demonstra. 

Naquela meia-hora de conversa ela já descobriu algumas coisas que a fazem sentir privilegiada por ele estar a partilhá-las com ela. Será charme? Não. Não poderá ser sedução, não há necessidade disso. 
Ambos sabem ao que vêm.

L. acaba a sua cerveja e apenas se concentra nele. Nas expressões que faz, na forma como sorri, nos pequenos gestos, a forma sublime de passar a mão pelo seu cabelo. 

Repentinamente, há algo que a fascina ainda mais: a forma profunda como C. a olha.

Profundamente e seriamente.

O sorriso ficou lá atrás e ela sente-se como se estivesse num filme... Num daqueles filmes de autor onde tudo não é premeditado e onde não percebemos se os actores são mesmo actores ou se são apenas duas pessoas que dizem e se comportam da maneira que querem.

Sim... Desta forma, não há espaço para a representação.

No momento em que L. se dá conta disso, já nada mais consegue fazer, sem ser entregar-se à sua
irracionalidade. Como se deixasse de comandar o seu pensamento, sucumbindo àquilo que, na realidade, veio ali fazer, deixando de lado o fascínio que começava a sentir.

O beijo é quente. Tal como ela o tinha imaginado assim que o tinha visto. Tão quente que adormece o interesse que se começava a instalar de querer saber mais e mais sobre aquele homem.

Quando param para olhar um para o outro, L. sente algo de diferente. As mãos nas pernas de C. dão-lhe a certeza de que ele realmente está ali. Que ela o sente. Será que C. também a sente da mesma forma?

No entanto, quanto mais tempo se olham sem pudor, mais L. se dá conta de como aquele fascínio regressa até si, deixando de lado aquela sofreguidão de há segundos. Porque estará ele ali com ela, quando poderia estar com qualquer outra mulher? De onde será que ele vem? Para onde será que ele vai?

Na forma delicada com que C. aproxima L. do seu corpo, ele faz com que ela se volte a esquecer de todas aquelas perguntas. Apesar de se questionar, ela não quer verbalizar seja o que for. Ela não quer dar-se a conhecer. Ela só o quer conhecer.

Inteiramente.

Mas, novamente, a barba que roça a sua face volta a fazê-la concentrar no seu instinto. Nos seus instintos. No instinto de ambos, como se ali ganhasse uma qualquer sintonia que L. desconhecia ser possível.

As mãos de C. passeiam pelo corpo de L., e ela sabe que ele não é novo nisto. Não. Ele está mais do que habituado a isto. E que bom que é finalmente estar assim com alguém que não precise de quaisquer indicações, de um guia, de palavras desnecessárias e acessórias. C. sabe, efectivamente, ao que vem. E que bom que é que toda essa verdade esteja a ser impressa no corpo de L.

L. acaba por se dar conta de onde ainda estão. A mesma meia luz da sala acaba por recordar-lhe que não estão numa realidade alternativa, escrita num qualquer livro. É certo que L. tem essa sensação de que nada nem ninguém pode destruir toda aquela atmosfera criada pelas suas mãos, pelos seus corpos, pelos seus lábios, por eles. Uma atmosfera que lhe dá a falsa sensação de que estão sozinhos e descomprometidos com a vida.

Deus. Como L. quer estar descomprometida com o espaço da mesma forma como se sente descomprometida com tudo o resto, naquele preciso momento. Mas, L. não consegue. Afasta-se um pouco e coloca as suas mãos no pescoço de C.. 

A vida não pode ser aquele instante. A vida tem de lhe dar uma segunda oportunidade para voltar a sentir tudo aquilo com C. noutro qualquer lugar, que não a faça recordar qualquer tipo de preocupações ou que a realidade que a circunda é maior do que tudo, maior do que a sua vontade, maior do que os seus preceitos.

- O que se passa?

O tom baixo com que C. fala, faz com que L. sinta que, de facto, aquela não é a sua vida. Ele fá-la sentir que ela está num outro qualquer e longíquo mundo, onde L. pode fazer aquilo que realmente quer. Sem medo.

- O que foi?

Ele continua com o mesmo tom e o desespero para senti-lo torna-se ainda maior quando, no mesmo instante, o terrível fascínio volta à cabeça de L. Será que ele é assim sempre tão amável e cordial com toda a gente? Ou aquilo faz mesmo parte da sua arte de sedução?

E aí está. A curiosidade.

Não.

Isto não é suposto suscitar mais do que desejo. L. só quer voltar a sentir o verdadeiro desejo de ainda há pouco quando se estavam a beijar, ela não pode deixar entrar em si a curiosidade e o fascínio por C.. Isso apenas será um entrave para poder-se entregar de forma livre.

Mas, agora, neste preciso momento em que L. olha profundamente para os olhos de C, que está expectante pela sua resposta, ela não sabe se terá a força suficiente para apenas deixar o desejo à flor da pele.

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Parte II
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